sábado, 23 de outubro de 2010

Como socorrer o Ecossistema da Gorongosa reduzindo a destruição humana da Maior Floresta Tropical?

                  Capítulo 1

De Chitengo às Cascatas do Morombodzi
Duas horas de uma viagem ambivalente pelas paisagens míticas

Já tínhamos começado com o segundo quarto das oito horas, quando Vasco Galante, depois de servir os assentos a todos e a mim também, sentou-se oposto ao Greg Carr. O filantropo americano sentara-se nas últimas cadeiras traseiras, lado a lado com a nossa VIP do dia, a jornalista norte-americana, Rebecca Peterson. E eu claro estava oposto a Rebecca. Á frente sentara-se o jornalista do Parque Nacional da Gorongosa (PNG), Carlitos Sunza, ao lado do piloto Bertus.
O termo filantropo aqui simplesmente caracteriza as pessoas que não só buscam o bem-estar de todos por palavras, mas que tudo fazem com acções no seu dia e noite, entregando tudo inclusive as suas próprias energias para o bem de todos.
Posto isto, Bertus iniciou o aparelho sem preguiça.
E já com o ruído assustador “do acordar de uma máquina de seis lugares” que esteve adormecida durante a noite, o piloto atreveu-se ainda a sair para fora do helicóptero para ir verificar se as portas deste estavam bem fechadas. Lembrou-me da sabedoria popular segundo a qual confiar é bom e desconfiar é melhor.
Lá foi ele fechar de novo as portas, as janelas e confirmar o estado do seu transporte antes de descolar. É assim mesmo o que se chama de responsabilidade. Às vezes não basta referir-se a responsabilidade com palavras.
Ficámos adentro. Partilhei algumas experiências de adultos. Ouvi as preocupações de wakulu wakulu (dos graúdos). Adultos que tinham todo o direito de escolher com quem viajar.
Senti-me orgulhoso aí com Greg, Rebecca, Vasco, Carlitos, Bertus. Todavia, ocorreram-me fantasminhas nos primeiros instantes depois de subir e sentar-me com os meus superiores hierárquicos.
A VIP Rebecca em frente de mim numa estratégia que Vasco ordenou que sentássemos por formas a que contasse a minha limitada experiência e conhecimento sobre a história da gente da Gorongosa que escrevo e sobre área que sobrevoávamos. Foi uma estratégia que não produziu muitos resultados, creio que a diferença de línguas frustrava a nossa comunicação.
Aliás, eu tenho como língua oficial o português, com competência de comunicar em inglês e outras línguas e a minha interlocutora tem como língua 1- o inglês, conhecendo apenas palavras frase do português.
Penso que facilmente ela esquecia-se que ainda podíamos trocar impressões usando a língua inglesa, enquanto vivíamos a emoção de sobrevoar a zona de animais a caminho da floresta tropical mais vasta da região Austral, localizada na Serra da Gorongosa.

Serra da Gorongosa

Não nos privando do seu sorriso nos primeiros momentos, ela esperou as nossas chuvas de explicações feitas, sobretudo por Vasco e Greg, reportando vários assuntos.
Estavam em foque questões gerais como o nome local a atribuir ao actual Site 1, o pequeno quarteirão residencial do PNG reservado ao seu pessoal júnior.
Vasco concorda e enfatiza o seu argumento tomando como base a designação do novo Restaurante do Chitengo - Chicalango.
                
                        Vista de longe, o novo restaurante Chicalango no Chitengo, dentro do PNG. Foto por DJMuala.

   
   Um aspecto parcial do interior do novo restaurante Chicalango. Foto por DJMuala.

Também eram temas de conversa, questões sobre a beleza da fauna bravia à medida em que percorríamos uma parte do grande ecossistema do PNG. E Rebecca ouvia atenciosamente as conversas. Por vezes entrava na onda e liderava o diálogo.
Para mim, a paisagem parecia um tanto quanto diferente que a de Março que contemplei durante a deslocação às Grutas de Cheringoma. E é óbvio.
O tempo muda tudo ou tudo se muda com o tempo. As coisas mudam. A natureza inanimada e animada muda. Assim como mudam-se os sensações em função do tempo!
Em Março é mais verde, tem muitos charcos e pântanos em todo o lado. E em muitos lugares dentro do Parque, as estradas de quando em vez andam interrompidas com fluxos de águas furiosas e preguiçosas. As árvores em Março não buscam a água. Mas já em Junho a situação é inversa; até as queimadas ameaçam o capim seco, o mesmo capim verde e rebelde que se pode apreciar na passagem do terceiro mês de cada ano civil.
Assim fomos numa direcção paisagística contrária a daquele mês. Desta vez, Greg não fez menção à zona dos elefantes. Antevi nele o prelúdio que a Serra depois viria a causar a todos nós da tripulação duas horas e meia mais tarde. Mas fomos.
Minutos depois de descolarmos, animais recreavam-nos. Por aqui um, por ali em grupos. Até este raro Inhacoso albino fez parte dos animais que vimos naquele dia.















                 Um Inhacoso Albino. A genética em prova. Junho de 2008. Imagens propriedade do PNG.

Dos outros animais, só não vi quantos eram masculinos ou femininos. Uns corriam espantados pelos motores da aeronave barulhenta. Seguiam os seus instintos de protecção. Sim senhor, a população animal do PNG pouco a pouco está a multiplicar-se. Os 16 anos de calma no PNG e o Projecto de Restauração deste estão a facilitar a multiplicação de animais. Estes corriam para dentro das suas casas de refúgio – debaixo das árvores!
A aeronave não parou. Sentiu pena das árvores que ficariam despenteadas. Vingadas até por um helicóptero como acontece muitas das vezes nos tectos frágeis das nossas casas por estas bandas de Moçambique. Quando este tipo de engenho voa quase por cima deste tecto miúdo, este chora para os pais o pentearem novamente. E pode levar algumas horas para endireitar os cabelos destes habitats tradicionais. As nossas palhotas.
Coitada das árvores! Os animais ainda podem, graças à sua capacidade animal, escapar-se da presença de caçadores/furtivos.

Capítulo 2
                                                 Belavista

Pouco depois estávamos em Belavista.
Vasco mostrou umas três ruínas que bem pude ver abaixo. E explicou-nos o que se pretendeu fazer aí na era colonial - um lodge turístico. Uma estrutura gigante ainda de pé aí a espera de possível socorro. Estrutura que viria a ser um restaurante. Outras estruturas minúsculas ao lado, adivinhadamente dormitórios para aquele lodge estratégico.
Belavista significa unicamente bela vista. É só sair um pouco das metaforizações da vida e imaginar termo por termo do composto. Mesmo no nosso português da Gorongosa, ainda se pode perceber o essencial de cada elemento dessa justaposição.  Se se tiver ainda dificuldades de perceber, então substitui-se os termos: Bela Visão. Visão dos espaços abertos daí em diante. O bem pensado lodge da era colonial situa-se numa das elevações características daquela zona, cuja diferença está no facto de àquela elevação ser a mais eminente possível que permite um visual majestoso sobre os restantes espaços com excepção da zona pós-guerra.

Capítulo 3
                                    Como chegar a Belavista?

Para chegar à Belavista segue-se uma estrada que, saindo de Chitengo , passa pelo sítio e continua para outras partes do Parque. Um posto de fiscalização do Parque quis ser vizinho da Belavista.
Diligentemente perguntei ao nosso explicador incansável se havia um plano de se recuperar àquelas infra-estruturas num futuro próximo, já que se está a restaurar os animais, as infra-estruturas turísticas de Chitengo, as comunidades vizinhas do PNG, ao que Vasco, sem preguiça disse constar nos programas.
À medida que vamos saindo do Parque, abundam canteiros de um verde carregado alternado com espaços castanho louro em algumas partes. O verde é de árvores. Grandes ou pequenas. O capim fez-se castanho por estar seco, violentado pelo sol e desertado pelo maná da época finda.
Já fora do Parque o cenário é inverso. Muito castanho louro minguado de algum verde de mangueiras, obviamente. Salvo ao longo de cursinhos de água onde ainda se pode ver algum verde natural e carregado. O castanho aqui já é muito inquietante à alma. As casas despontam no meio de algum desse castanho.

Capítulo 4
                                 Minas de ouro em Tsiquir
Salve o habitat e refúgio dos animais!

Também os adultos fogem do ruído do helicóptero!
Que adulto foge e porquê? Quando está a explorar o ouro nas minas de Tsiquir.
Correram das minas para fora. Para se esconderem no mato. Provavelmente porque as suas casas ficam longe daqueles jazigos. Como é que estes animais (se animal significa mobilidade física), em coincidência encontraram debaixo das árvores o seu refúgio uma vez dominados pelo medo? Uns animais (racionais) exploravam ilegalmente o ouro das minas de Tsiquir e recorreram para debaixo das árvores. Já dentro do Parque outros animais (irracionais) também estavam a lutar pela sobrevivência – comiam e buscavam como comer. Surpresos pelo ruído, sem pensar procuraram as árvores. Árvores, árvores!

Capítulo 5
                               Árvore, único segredo da vidas

Dois incidentes simultâneos envolvendo comportamentos animais em relação às árvores. Dois factos imprevisíveis. E testemunhados por seis pessoas. Animais que instintivamente tiveram que recorrer às árvores para se protegerem de um perigo eminente. Todos dominados pelo medo encontraram nas árvores a salvação de sempre. Sabiam que não iam se arrepender por buscarem na verdadeira religião a sua salvação.
Duas vidas de ritmos diferentes cujas ameaças internas e externas encontram directa ou indirectamente nos autotróficos a resposta infalível para sua sobrevivência. 
Até a mãe terra que nos suste recorre às árvores para dar mais vidas. Para poder ganhar mais a sua permanência na corrida orbital e orgulhar-se no grupo dos outros planetas a terra apoia-se mais nas árvores! Com estas ela consegue os animais, as chuvas, a humidade, as outras vidas. Só com animais ela não consegue nenhuma árvore. E simplesmente perde o estatuto no seio dos outros concorrentes (planetas e astros) em conquistar vidas para si.
Porquê os humanos naquele sítio quando primeiro ouviram e por fim viram o helicóptero se puseram em fuga para debaixo das árvores? E os animais (irracionais) dentro do Parque?
            Haverá uma inteligibilidade mútua entre os dois comportamentos?
Que consciência para os racionais de Tsiquir?
Quase que me deixavam acreditar que a limitação humana está bastante confinada. Impossibilitados até de prever com certeza cada instante da vida.
Todavia, algum Tomé da Bíblia ainda resiste. Uns tantos teimosos aí os vi de pé, inertes. Não fugiram para o mato. Mesmo depois de darmos duas voltas por cima das minas. Continuaram imóveis e entretidos.

Capítulo 6
Com que se parecem aquelas minas?

Uma grande colónia de buracos escavados no subsolo. E com os humanos aí por fora e dentro dos buracos, vistos de cima, lembram-me a dinâmica de formigas a entrar e sair de suas casas cada uma com sua trouxa. E as trouxas daquelas formigas aí nas minas são pedras escavadas abaixo e trazidas para cima para a inspecção pelas águas e pelo mercúrio. Inspecciona-se o fugitivo ouro. Tão raro de encontrar como a sabedoria. Onde fica a água e o mercúrio da sabedoria?
De cima os buracos fazem autênticos poços de água a espera de anilhas para colmatarem a carência do precioso líquido nas povoações. E o bairro de Tsiquir teria o verdadeiro ouro para todos se aqueles poços aceitassem anilhas e tampas. Água potável para o consumo naquelas comunidades que tanto a precisam. Para aquelas povoações vizinhas que depois de colaborarem para a escassez dos depósitos, vêem nos restantes poucos rios periódicos e os poucos furos como solução da crise do líquido vitalício indispensável. Esta é uma geração herdeira tradicional das práticas que pedem reajustes contextualizados.
            Vista aérea das minas de Tsiquir. Junho 2008. Imagens propriedade do PNG.

E os Tomés, com o comportamento de querer acreditar depois de ver, ainda continuarão presentes em muitos humanos - os famosos teimosos. E os teimosos continuaram de pé aí fora de umas minas.
Ainda em Tsiquir ficou nítida a presença da acção destruidora humana frequentemente ligada a necessidade de sobrevivência: a prática de agricultura denominada por slash and burn (mathema localmente). Carecas nos cimos, nas encostas e vales das elevações montanhosas assim como carecas justificáveis nos grandes quintais habitacionais.
É interessante perceber como as comunidades locais crescem vertiginosamente: poucos quintais são os têm uma casa. Muitos têm cinco ou mais casas. Com a casa dos pais por vezes no centro e as dos filhos/filhas à volta da do pai. Um agregado familiar cada vez mais medrante. A planificação da natalidade aqui antes pede a planificação do número de esposas e de “chindes” (as mulheres sucursais). E ser mulher de alguém por aqui é ter com ele pelo menos uma criança. E as chindes? Estas reconhecem o menor número de homens na Gorongosa, mas não reconhecem o menor de crianças a fazer com os poucos homens existentes!
Assim vi tanta concentração de casas no mesmo quintal. E tantos quintais similares. Não duvido que cada família tem no princípio uma grande machamba. Comum a todos os membros da família. Quando ainda sob controlo total dos pais. E à medida que as crianças vão crescendo em idade e em responsabilidade a desintegração da grande machamba da família é inevitável e praticam os seus próprios mathemas. A abrir tenazmente suas próprias machambas, àqueles adolescentes, que se casam ou se engravidam em tenra idade e depois são entregues as menininhas grávidas ainda na adolescência de doze a treze anos formam seus lares. E assim pela regra, tornam –se nos responsáveis de casas. Tornam-se em pais com uma machamba comum junto com os seus membros de família.
Ás vezes mesmo faz-se uma separação empreendedora, seguindo a onda do século iniciado por Santo Mosca da compra e venda de produtos agrícolas nesta parte de Moçambique.
Então a machamba do pai da família intocavelmente fica para fins comerciais. O comércio jacto de géneros alimentares visto a explodir hoje nas ruas da querida Gorongosa. O interior da Gorongosa não é marginal. E os Santos Moscas deste período são comummente chamados por “manhambanes” (gente vinda de Inhambane).
É prática atada aos nossos dias encontrar aqui na Gorongosa machamba para a mãe/mães, filhos e filhas, netos/netas, primos/primas, todos que partilham o mesmo quintal. Podem ter machambas em espaços diferentes motivados pela compra e venda, pelos ’manhambanes’, dos produtos da machamba. E as machambas saem dos mathemas só as árvores saem a perder nesse circuito vicioso. Assim é no Tsiquir. Assim é em Nhancuco. Assim se vê mesmo na vila da Gorongosa para quem já por aí passou.
Só queria saber onde muitos guardam a sua consciência quando não agem para acordar os que merecem.
Gostava de saber onde fica camuflada a nossa responsabilidade conjunta de velar pelo equilíbrio do nosso habitat - o ecossistema agonizante.
Uma agricultura insustentável cada vez devastadora do nosso ecossistema que não é invertida. Talvez porque é barato comer que criticar o processo que traz tal comida. E criticar aqui não se confunde com negar, mas analisar e posicionar-se. Urge perceber este dilema de desequilíbrio ecológico ultra-rápido que dificulta já e piora mais no futuro.
Umas duas voltas demos ao lugar das minas. A emoção, que tanto dominei depois de pouco tempo na aeronave voltou a avolumar-se em monstro em mim ao ver grosso modo as minas que sempre só ouvia. A tristeza de não ter máquina fotografia aí comigo transformou-se em falta de respeito. E perdendo jeito limitei-me a coçar a nossa VIP do dia que trazia sua máquina consigo. Claro uma jornalista não esquece máquina como não lhe falta também. E acudiu-a Vasco, que bem sabia que o Carlitos sentado com o piloto ia filmando pelo menos as paisagens mais marcantes. E as minas de Tsiquir obviamente não são excepção. Até delas se desenvolveu uma conversa afiada entre os três celebres aí atrás. A visitante comentava na possibilidade de se oficializar as minas para as pessoas poderem explorar o ouro de forma clara. Vasco, conhecedor da matéria graças as suas interacções frequentes com as autoridades locais, centrais, põem-se a explicar sucintamente a Rebecca sobre o que se pensa das minas de Tsiquir. E acresce que da última vez que vira aquela extracção a água estava vermelho acastanhada pela lavagem das pedras nela. E acreditou que o mercúrio que ultimamente se usa já reduz grosso modo a poluição das águas. Estas águas turvas certamente entram no Parque. 
E porque a conversa sobre as minas era em Inglês, dois adjectivos stark e sharp intrometeram-se para contrastar as paisagens naturais que íamos vivendo. Vasco procura esclarecer-se melhor da diferença entre os dois adjectivos na discrição. Greg assume a posição de lexicólogo. Explica a diferença. Usa todos os recursos à sua disposição, como palavras e gestos com as mãos num esforço aparente. E atinge o seu objectivo. Afinal para atingir objectivos é  preciso muito esforço? E nós, o seu auditório, provámos-lhe perceber com clareza a diferença. E a aula do professor de lexicologia, Greg, deu-se por terminada com um feedback do inquisidor. Este associou o sharp com nítido e buscou o stark entre austero e forte e por fim decidiu abandonar a sinonímia. E respondeu Bertus da cabina a confirmar ter percebido a explicação do Greg. Eu não me pronunciei simplesmente porque a vocação de ser professor nunca foi propriedade de ninguém em particular. É comparável ao negócio/comércio. Todos de alguma forma somos comerciantes de natureza, quer conscientes ou inconscientes. Assim também todos somos professores quer com formação ou sem. São duas práticas inerentes à natureza humana como a própria sombra do corpo e só se complementam com alguma especialização particular.
Mas o helicóptero anda depressa.

Capítulo 7
                                         Então em Nhancuco

Já a chegar, as conversas mudam de tema. A atenção equilibrada é vocação de Vasco. Muitas vezes até chega a surpreender-nos. Lembrou-se imediatamente de chamar atenção a nossa Rebecca que estávamos já em Nhancuco e a curvar de helicóptero em cima de um dos viveiros de plantas nativas. A Rebecca quis ver o viveiro mesmo de cima. Então todos acenámos com as mãos indicando-lhe a casa que contém inúmeros sacos plásticos com plantas.
Mas isso não fazia parte da missão de Bertus. Cabia-lhe sim deixar-nos em Nhancuco e sobrevoar até a comunidade de Murombodzi/Kuanguerezi, onde foi esperar-nos.
Do capim onde aterrara o engenho, saímos para o quintal da escola primária de Nhancuco. Ummm, ummm! Rapidamente acorreu ao lugar uma média de:
sete colegas responsáveis dos viveiros sedeados aí em Nhancuco; quinze adultos entre os quais 9 mulheres (provavelmente ganharam um intervalo das suas machambas perto da pista em que aterrámos – no capim); vinte e oito crianças vestidas à maneira local sem preocupação de higiene corporal e nem no vestuário esfarrapado de que estavam trajados. Á estas crianças Greg estendeu suas mãos e passou a saudá-las todas apertando-lhe sim as mãos, estas mãos de crianças que acabavam de sair das suas rotinas diárias da zona: jogar as pedras aos passarinhos, ajudar as mães nos trabalhos das machambas, jogar mago (pedrinhas em buracos no chão poeirento), puxar carrinhos feitos de caniço e latas, etc, enquanto controlam o tempo de irem às aulas aí pertinho. Também seguimos o bom exemplo de Greg;

Capítulo 8
                          O estado físico da actual escola de Nhancuco
                                             
Andando um pouco pelo pátio da escola deparámo-nos com uma situação lastimável. Um único professor de nome Perino Perino ensinava sozinho em duas salas mistas da escola acima quatro turmas de classes diferentes só naquele período. Acho que é um professor Socrates!
O que alude a mente é que aquele também filho de Deus, depois teria que encontrar mais a mesma situação nos tempos seguintes e obviamente com alunos diferentes o que o faria circular por pelo menos oito turmas mistas diferentes. Portanto, não menos de dezasseis planos de aulas diferentes a serem efectivadas por mesmo professor no mesmo dia.
Talvez um super-homem daria aulas de qualidade que tenham um impacto real e contextualizadas na vida dos alunos de Nhancuco. Caso contrário, seria tudo mecânico, conduzido no espírito de cumprir os programas exigidos nas reuniões  pedagógicas frequentes com outros professores. E como não se reprova naquele estágio escolar, então empurrar todas as crianças para classes seguintes. Depois orgulhar-se de ter sido professor ...
E assim sim vamos formando os cidadãos sábios, autónomos, conscientes, responsáveis, cidadãos que saberão defender os seus direitos e reconhecer os seus deveres cívicos no mundo de amanhã.
Provavelmente é assim um professor deixado à sorte de ninguém nas cidades.
Enquanto ele está numa sala a dar instruções para uns alunos mistos, a outra sala está vazia e os alunos daí entregues a desordem. Quem não conhece alunos nunca foi aluno. E não tem culpa nisso, tem?
Naquelas salas, simplesmente procurei ver uma carteira. Mas como a vista às vezes ilude, não vi senão blocos de pedras, uns se calhar retirados das ruínas das antigas habitações de Ferrão vendidas para a família do Carlos Pelinhas na então era colonial e as ruínas ainda por aí pertinho. Mesmo eu podia ir puxar um bloco e sentar-me nele que sentar-me no chão mui poeirento.
Actual escola de Nhancuco brevemente a ser substituída por salas novas, há quase 800 m deste local. Junho de 2008.

Alunos fora da sala durante um intervalo. Cada aluno procura onde se sentar.

E os quadros das duas salas? Estes pareciam-se com farrapos atados a cordas e pendurados obliquamente à uma abertura de quase 30 graus. Na base os quadros estão suportados por duas estacas espetadas no chão, no lado superior asseguram-se em uma das estacas da construção de palha e caniço. Na parte traseira, os quadros apoiam-se nas próprias estacas da construção. E as aulas? Onde encostam?
Um aluno no quadro, nas antigas salas anexas de Nhancuco. Foto cedida por Katie Beilfuss.
                                               
Não me envergonham estas realidades do interior onde nasci. Há poucos anos, este era o aspecto comum de quase todas as escolas implantadas fora da vila da Gorongosa e, sobretudo, nas comunidades à volta do PNG.
São os factos que existem no interior do distrito misterioso e mágico, lá onde as rotas oficiais que conduzem os palacianos, dignitários, os ilustres e grandes políticos, dificilmente chegam.
Ao longo das vias acessíveis e pista, por onde os ilustres passam durante as visitas e governação aberta, que geralmente antecedem as campanhas eleitorais, dificilmente se vêem estas escolas que chocam com a reflexão numa era em que desenvolvimento é o batuque sonante em cada festa. Postos médicos ainda estão por espreitar para estes paraísos de curandeiros e feiticeiras. Não se trata de pensar na electricidade, na informática, nos balões, nos lanches escolares, nos transportes, no vestuário digno e limpo. Nem de pensar naquilo que muitos têm o hábito de definir como condições básicas. Aqui se espelha com nitidez o relativismo do conceito de condições básicas e a verdadeira cara de um povo viciado mas forte.
Íamos transitando estas estagnações depressa. Tão depressa que só Vasco, sempre atento, é que conseguia controlar onde estávamos em cada respiração profunda por entre subidas e descidas e explicava-nos. Nem se esqueceu de apresentar-me ao meu colega de profissão, o desenrascado professor de Nhancuco. E saudei apertando-o as mãos com gosto de pegar no giz que poeirava a mão direita dele. Claro, a mão esquerda segurava, como de hábito nos dextras, o caderno de planificação de onde se costuma tirar as notas para o quadro.
O acampamento de Nhancuco só nos viu passar pela estrada perto. Mesmo estando um carro moderno aí estacionado, de alguém que fora à Montanha procurar os curandeiros (talvez para curar doenças, talvez para aquele chefe ser mais chefe conforme se crê na psicologia local), à frente foi o nosso caminho.
Era para dar-se uma ideia a nossa Rebecca que, pelo menos, o estado físico, precariamente crítico, das instalações ora chamadas de escola que acabávamos de ver seria brevemente substituído por umas novas salas de aulas quase prontas a uns oitocentos metros da actual escola ao longo da estrada abaixo.
Depois que ganhámos um bom visual das novas salas regressámos seguros que a Rebecca viu as futuras salas melhoradas. Não era preciso gastar tempo nem energias deslocando para junto do quintal das quatro salas em construção. O amigo sol tudo clarificou. Não ligava as nuvens brancas e tímidas no céu esburacado de azul. Raiava em todas as direcções dando astúcia a vista humana. Esta viajava distâncias e distâncias, a partir de um único ponto de fuga. A própria Rebecca provou-nos ter puxado nitidamente a imagem das salas.
 O fumo Rondinho (daquela área de Nhancuco) não se fez alheio a visita. Caminhou connosco em alguns desses sítios até à casa dos viveiros. Que orgulho acompanhar uns brancos e negros curiosos em visitar a sua zona, partilhar alguma experiência do tempo colonial, etc. Rondinho foi com a visita até onde a idade lhe admitiu. A seguir demitiu-se sem querer. Já não podia mais. O número de células enferrujadas no seu organismo era irreversível. Cedeu.
Ângelo, técnico agrário e supervisor, que vela pelos viveiros, depois de tomar banho, juntou-se a nós a caminho do único viveiro que visitámos em frente do acampamento de trabalhadores. O técnico teve uma quebra de rotina no seu trabalho. Tinha que explicar-nos e, sobretudo a nossa hóspede, os cinco grupos diferentes de plantas indígenas presentes em vasos plásticos. Um Inglês tímido assegurou a comunicação. Os sacos plástico contendo as plantas estavam bem arrumados. Espécie por espécies. Seus nomes científicos ainda estavam escondidos em livros e Tongai, um colega daquela equipa de trabalho, encontrou trabalho; vasculhar e trazer tais nomes.
A curiosidade provocada por àqueles viveiros não desculpou-nos de ver o campo realístico onde tais plantas são aplicadas no reflorestamento das partes encarecadas da Serra da Gorongosa. E visitámos um dos campos plantados. Lá estão as plantas. Já em franco desenvolvimento. Reflorestam as antigas machambas já abandonadas e cedidas pelos donos já sensibilizados.

Capítulo 9
                                              E as Cascatas?

Um espírito de aventureiro recomenda-se se quiser chegar às Cascatas. Alguns subires e desceres das pequenas elevações desde o acampamento de Nhancuco até ao lugar turístico - as Cascatas de Murombodzi. Andámos. Respondemos a alguns telefonemas nos sítios onde houve rede da Mcel. Acertámos e concertámos as actividades dos tempos seguintes ajudados pela Mcel. Depois só ficámos com as marchas para o destino. Rebecca teve que ajustar o seu psíquico e retirar uma das camisolas do corpo.
Nestas partes os transportes era uma vez. Por isso Greg, conhecedor da situação e já preparado mentalmente, avançou na dianteira arrastando todos atrás de si. Quando lhe perguntei como se sentia pelas subidas e descidas, prontamente respondeu-me que se sentia um pouco forte (vulgarmente gordo) e precisava de praticar aqueles exercícios.
 David, nosso colega, umas vezes encabeçou a marcha. Outras vezes trocou com Greg que o substituía. Vasco, todo motivado e a lutar com as subidas, só me disse que estava a queimar os açúcares do café que tomara de manhã no Chitengo antes de partirmos. Carlitos apoiava-se na sua idade jovem para superar a marcha.
Todos dominam o caminho. Mas Rebecca, esta não. Até Carlitos também lembra-se da sua última viagem às Cascatas. Chega mesmo a lembrar-se que da última vez o caminho estava muito cerrado com capim. Diferentemente desta, que três pessoas podem andar lado a lado sem tocar no capim lateral.
As casas de banho, feitas de material local, existem ao longo do caminho para as Cascatas. Parar para analisar o passado e ganhar novas energias para frente é condição. Mesmo nas empresas temos férias, reuniões, balanços. Também a nossa viagem teve estes momentos.
Atravessámos o rio. Qualquer um que já atravessou àquele rio conseguirá ver a diferença actual na travessia. Os colegas tiveram tempo de amontoar organizadamente uma ponte de pedras naturais sobrepondo-as umas sobre as outras sem interromper o curso normal das águas! Surpreendente! Facilitador! Positiva acção humana! Aprender a viver com os problemas sem eliminar o adversário - o rio Murombodzi! Curioso!
A frescura natural marca a entrada nas Cascatas e eram quase dez horas e trinta e quatro minutos. Carlitos vinha filmando atrás. Chegámos. Uns sentaram-se. David e eu perdemos o cansaço. Vimos a primeira parte mais acessível. Desafiámos as rochas. Subimos para a parte menos acessível. Aqui tem tudo para admirar o espírito humano. Só cada um consegue sozinho exteriorizar o seu estado de alma diante desta magnífica paisagem natural - as Cascatas grandes. Cascatas sobre o rio Murombodzi. Esta parte histórica, para mim suscitou muito de que falta tempo e espaço para exprimir aqui. Talvez usando expressões separadas como:
Queda constante e majestosa de águas frescas;
Chuviscos causados pelo choque das águas nas rochas;
Frescura que a queda das águas asperge num raio considerável;
Tanques naturais e sequenciados na base que recolhem despretensiosamente a água e distribuem-na;
Uma piscina natural ao lado para nadar;
Rochas dispostas de forma sugestiva e impressionante;
Águas limpas;
Diferente;
Fascinante;
Assustadora;
Misteriosa;
Comovente;
Casa de Botherere;
Invejável;
Etc.
As cascatas de Murombodzi, brevemente poderão deixar de existir se as árvores desaparecerem da Serra.

E porque não conseguimos levar connosco o mistério natural, aí o deixámos. Para todos que gostam de belezas naturais poderem satisfazer as suas almas.
Rumo ao bairro Murombodzi e bem perto das Cascatas tem uma igreja que incita a curiosidade. A Igreja Betania. Feita até hoje só de cinco estacas. Três naquela ponta onde fica o altar e o pastor. Duas aqui na base onde senta-se a comunidade. Os bancos são de duas estacas espetadas em extremos com uma outra estaca transversal que se assegura nas aberturas naturais em forma de V das estacas extremadas. Assim em duas colunas compridas de bancos dentro das cinco estacas mais altas em lugar de paredes, tão simples quanto natural, vimos a Igreja Betania na vertente da elevação que conduz para às habitações da povoação do bairro Murombodzi/Kwanguerezi.
Parámos nesta igreja e não tardaram os comentários. Bastante impressionante. Vasco provou a atenção que esta singelidade chama ao espírito dizendo que mesmo Peggy Rockefeller (filha de uma das famílias mais ricas dos Estados Unidos da América) não resistiu ao ver esta igreja. E Rockefeller homenageou a igreja escolhendo-a como o lugar para a cerimónia tradicional na qual ela participou.
A Rebecca também gostaria de ver os crentes desta igreja quando estão aí em culto.
Continuámos a caminhada a escutar histórias contadas por Vasco de aventureiros que na era colonial, à exemplo dos makombes, escolheram a Serra para a criação de gado. E tiveram muitos sucessos.

Capítulo 10
Bairro Murombodzi/Kwanguerezi
                                                                
Bertus com seu helicóptero já tinham uma grande audiência de pessoas quase a que tivemos em Nhancuco. Crianças, adultos (senhoras e senhores) se juntaram para saudar o helicóptero. Para deleitarem-se com o fruto da tecnologia humana. Aquilo que alguns homens conseguem fazer e ter sentido ao olho humano comum. Sim. A coragem de parar e apreciar os avanços desta espécie as vezes é necessária e curiosa. Cuidado que tem uma grande divisão aqui de experiências, conforme tenho estado a observar no meu dia-a-dia.
Por exemplo, gente que pouco vê essas invenções (como os helicópteros, aviões, computadores, telefones diversos, máquinas de fabricar água, televisores, etc); gente que nunca experimentou desfrutar destes e de outros engenhos milagrosos da tecnologia humana, sabe muito bem apreciá-los. Coitado dos que perderam a simplicidade da vida. Pena dos que não tendo inventado engenhos, perdem a sensibilidade de contemplá-los.
Por outro lado, está gente que sabe muito bem apreciar a vida natural (as cascatas, as florestas, as grutas, as estrelas, as diversas espécies vegetais e animais, até o estilo de vida de outras gentes, etc).
A curiosidade também é relativa? E os hábitos que papel jogam na curiosidade?
Chegámos. Cinco como saímos de Nhancuco. E cinco como saímos das Cascatas. Saudámos a todos. Saudar é um valor universal. Todas as culturas saúdam e saúdam-se. E é já natural que todos sentimos a vontade de saudar quando nos encontrámos pela primeira vez com alguém. Até começa-se por aprender como saudar quando se trata de uma língua estrangeira. Talvez os muito orgulhosos. Os muito importantes por si mesmos é que não saúdam, acham-se no direito de serem sempre saudados pelos outros. Naquele bairro e naquele instante, não havia nenhum que esperasse ser saudado. Todos e sem hesitar lançaram-se em saudações afectuosas uns com os outros, que éramos nós.
Travei uma rápida conversa com Seriano Bage, um homem daquele bairro. Queria matar minha curiosidade. Saber como é a comunidade residente. Um pouco de sua história, suas tradições, hábitos, costumes, interpretações várias da vida. Pois que já sabia que muitos deles professam a Deus na Igreja Pentecostal. Mas faltou o que sempre faltou: o tempo. Depois que alguns do nosso grupo acabaram de tirar fotos e filmar um pouco, já começaram a andar em direcção ao helicóptero. O helicóptero tem pista em qualquer sítio plano. Senti-me na obrigação de dizer adeus para os que iam ficar, os locais. Até um dia lindo bairro de Murombodzi/Kwenguerezi, um dia satisfarei a minha curiosidade. Construiremos uma amizade confiada. Quando nos conhecermos um pouco mais e partilhamos os vários momentos da vida. Também as dificuldades. Então esperemos pelo dia!
Seriano Bage também queria conversar. Dar-se a conhecer. Dar a conhecer o seu bairro e as coisas rápidas que se costumam deixar saber sem muito esforço de memória.
Foi assim que correndo atrás dos outros subi no engenho já em frente de Carlitos que trocara lugares com a Rebecca Peterson.
Assim dava-se por fim a fase mais bonita da nossa viagem.





Lado B
Capítulo 1
                                   Os dissabores desta viagem

No dia 05 de Junho, a floresta tropical da Gorongosa suplica justamente um acordo de paz inadiável!
Tudo começa quando sobrevoámos a Serra. Os nossos sorrisos eu e Carlitos foram dissipados sem muita demora. Experimentámos aquela dureza. Aquilo que todos os que já tiveram a oportunidade de sobrevoar a Serra insistem em dizer-nos. A Serra está em destruição. É verdade.
E só se tira a prova máxima disso quando sobrevoamo-la. É quando traídos pela clareza, se vêem os lugares frescos que estão a ser limpos. Os lugares onde as árvores estão sendo cortadas. Os espaços que mostram ainda umas árvores caídas, bem como muitos outros espaços hoje encarecados antes foram. Trata-se de uma situação visivelmente crítica que leva a crer que só não agimos porque não compreendemos o perigo representado por aquela destruição. Ou porque pouco pensamos sobre o futuro das gerações radicadas na belíssima Gorongosa.




Capítulo 2
                                  As árvores e a água na natureza

A percentagem de água nos organismos, nas máquinas, na terra só vive nos livros. Livros egoístas que carregam sozinhos a consciência da quantidade da água existente, da sua origem, seu ciclo de vida, sua utilidade múltipla para os animados e inanimados cada dia. O imperativo de incentivar a maior produção de água que sustente as explosões de vidas, de tecnologias, e inverta a explosão de desertos alargados esconde-se atrás da abertura de mais furos, poços e outras fontes de água vindas do subsolo enquanto nos esforçamos por eliminar as últimas árvores naturais. As árvores igrejas dos nossos antepassados panteístas da Gorongosa.
Aquele forte abate de árvores, em porções varáveis e em muitos lugares ao longo e redor da Serra desmentiu as ricas emoções que tínhamos acumulado desde Chitengo e acrescidas nas Cascatas.

Capítulo 3                               
                                   O pressentimento de Greg 

Aliás, Greg já havia aludido. Quando desta vez ele se esqueceu em dar-nos uma vista pela zona dos elefantes. Convite que sempre esperei. Porque nunca tive a sorte de ver um elefante ao vivo. Mil vezes tenho visto só nos livros, fotografias, nas pinturas, nas Grutas de Khodzuè-Cheringoma, etc. E o prazer de poder ver um elefante ao vivo faz-me de esperançoso. Mas a verdade estava com Greg. Ele pressentiu o humor fugidio.
Íamos para o lado mais crítico em termos de continuidade de um equilíbrio do nosso ecossistema. Do ecossistema do nosso Parque da Gorongosa. O Parque de todos nós. O Parque de que nos orgulhamos sempre. Este Parque é mesmo nosso e que precisa de mais água da Serra que de cheias. Nós que vivíamos nesta área nos tempos imemoráveis e que por causa da fome e do sol que se abateu nesta zona, começámos até a sair daí sozinhos. Zona que não dando bons rendimento agrícolas desde muito, já não produzia muito algodão e os animais mortos por sol e doença só nos provocavam doenças e mortes. Saíamos poucos aos poucos para outras zonas fora do tando. Saída essa que os colonialistas depois vieram a exacerbar com expulsões, por vezes desumanas, do tando para fora dele. Para fazerem deste tando o que depois veio a ficar nas nossas mãos. E se chama hoje de Parque Nacional da Gorongosa.


Capítulo 4
O Parque Nacional da Gorongosa é, na verdade, nosso. Jamais será vendido.

Este Parque que muitas das vezes o interpretámos como inimigo, porque outrora andou a nos retirar das terras, da carne, das peles, dos marfins, etc, que comíamos, vendíamos, trocávamos com comida, etc, para proteger estes bens. E alguém fê-los bens comuns para todos cidadãos da Gorongosa, de Sofala, Moçambique, do mundo inteiro. Parque de todos amigos conscientes e inimigos inconscientes da natureza. Da natureza que nos gerou. E temos que cuidá-la como mãe. Da natureza que nós geramos. E devemos cuidar como nossa criação, esforço, criatividade.
Recursos esgotáveis que alguém, agindo com coerção no passado, conseguiu traduzi-los em bens de que nós todos nos orgulhamos em falar com o mundo fora. Embora já não nos orgulhamos em falar com o próprio parque internamente. Dentro da nossa Gorongosa. Tomamo-lo por um inimigo que nos retirou o benefício máximo a carne. E que ora pretende nos retirar novamente da Serra. Não percebemos ainda hoje, como nos tempos da colonização, a vantagem de proteger as espécies raras que um dia se vão tornar em fonte de bens como o Parque hoje. Raras porque outras as extinguimos inconscientemente através das nossas atitudes. E só aceitamos quando temos segundas intenções!
É assim a injustiça do tempo na Gorongosa. Sempre sumido com a sua inteligência. Mas o homem não some. Está sempre aí. Age e é agitado a agir. Porém, age com os restolhos da inteligência sempre fugaz no tempo. Age com a limitação inata. E morre vítima da mesma limitação antes do tempo chegar para recolher os frutos. Perguntado o que andou a fazer na Gorongosa, simplesmente a resposta certa foge-lhe deixando só a confusão característica como as árvores quando partem. Agiu individualista e foi arrastado pelo tempo inclemente. Não conseguiu diferenciar o essencial do acessório, o urgente do importante e morreu assim antes de unir a teoria coma prática na sua Gorongosa. Deixa tudo para os filhos, os netos, os bisnetos.

Capítulo 5
                   Que tipo de agricultura convida desertos assim?

Já na zona de Tsiquir tudo começara a ficar mais claro. O tipo de agricultura que sempre se praticou nestas atractivas zonas, ricas de paisagens naturais e um visual diverso que foram sendo entregues a sorte da feiura que as caracteriza hoje. Hectares e hectares que anseiam em ver a cor verde de árvores. Hectares e hectares cansadas de um castanho louro desértico. E alguns castanhos andam desertados porque já não produzem. Atingiram a menopausa e a impotência produtiva.
Espaços, riachos, pântanos, charcos foram sendo reduzidos à pequenos calaharis. Os rios e riachos que outrora constituíram milhares de artérias, veias, capilares que carregavam o sangue puro do coração (a Serra) para o cérebro da vida da região (a zona actualmente tida por Parque) e as restantes partes do corpo da Gorongosa gradualmente se despediram-nos. Só uma mãozinha daquelas estruturas restam hoje. É esta mãozinha que assiste a agonizante Gorongosa e o seu cérebro desmaiado.
Em sua substituição. Em substituição dos milhares e milhares de canais de água que outrora abundaram circulando e regando toda a querida Gorongosa andam milhares e milhares de caminhos, picadas, rotas, ruas, estradas, pontes tudo para facilitar os novos abundantes e reinantes da zona - os humanos!

Esta guerra chama-se mathemas localmente e acelerou de ataques desde 1992 e as vítimas estão aqui à vista de todos.
Estas imagens são propriedade do PNG.

Estes mathemas só podem reduzir de fúria se nos despertarem a consciência e acção e se agirmos conjuntamente sem buscarmos o  culpado.

É chegado o tempo de sentarmos e reflectir no passado. No presente. Analisarmos o que se depreende por desenvolvimento que sempre cantamos. Analisar o que se depreende por desenvolvimento sustentável. E não deixando de destruir, talvez destruirmos à frente e equilibrarmos a ecologia ao lado!

Capítulo 6
Últimos cursos naturais de água já entraram em via de extinção na Gorongosa

A morte processual de muitas veias, capilares, e glândulas que secretavam a humidade necessária (a partir da Serra) para a abundância da vida diversificada na região abaixo da Serra entrou já na falência irreparável.
A justiça do tempo evidencia sem dúvidas os estágios da Gorongosa viva para a Gorongosa em desfalecimento ecológico do seu ecossistema.
Basta abrirmos a consciência e a sensibilidade.
Pode parecer política para alguns. Exagero para outros. Defender emprego ainda para uns. Caçar emprego para outros. Porém, pareça o que parece para os extremistas. Pareça o que parece para quem ainda não teve oportunidade de ver o cenário. Pareça o que parece os vários Tomés da Bíblia que só esperam acreditar depois de ver. Só uma ignorância acentuada pode ficar indiferente.
Duvido se todos teremos a sorte de ver para acreditar. Caso contrário não teríamos a palavra crença. E segundo a Bíblia, só os que estiveram com Tomé, no dia que Jesus quis envergonhar aquele incrédulo, conseguiram vê-lo.
Basta termos mente divagante para analisar. Sairmos um pouco das metáforas da vida e sermos um pouco curiosos. Andarmos um pouco para fora dos pequenos centros urbanos que nos aprisionam hipnoticamente. Entrarmos na floresta tropical única em termos de extensão para as terras debaixo do Zambeze.
Vermos o ritmo de corte de árvores – os mathemas. Depois estimarmos juntos em quantos anos àquela floresta irá resistir na velocidade actual dos mathemas. A regeneração sozinha deixa de ser método fiável para compensar os danos pelo rápido crescimento populacional. Depois há que pensarmos na forma alternativa para ensinar a esta boa gente já nativa da Gorongosa a cultivar de forma sustentável e racional, se os termo não conotarem exagero.

          É verdade que depois de aprendermos já não conseguimos mais alterar este tipo de agricultura? Imagens propriedade de PNG.

Capítulo 7
Sozinha, a Gorongosa já foi Gorongosa

De uma Gorongosa que conheceu nada mais que uma super densidade de diversidade animal. Densidade que não se cingia ao então tando. De uma Gorongosa que os zimbabweanos vindos de diferentes cantos de Mbire e Báruè matavam sem escrúpulo os animais e a carne que para além de consumo vendiam-na e o marfim também aos comerciantes árabes baseados nas zonas costeiras do Índico.
E isso faziam antes de decidirem fugir de Zimbabwe e fixarem-se definitivamente no coração da Gorongosa. De onde começaram a destruição do ecossistema num ritmo de laisse-faire que gradualmente, com o cada vez crescente número de interessados pela Gorongosa e os nascimentos, vemos hoje uma agonizante Gorongosa, super habitada pelos homens que substituíram negativamente a antiga densidade de irracionais diversos.

Capítulo 8
                                        O que é uma ilusão?

Queria ganhar ilusão e acreditar que nós os racionais, aparentemente mais maleáveis e dotados de dom da inteligência e inteligibilidade, fôssemos capazes de olhar para trás, para a história, para os tempos imemoráveis com olhos de ver e pudéssemos perceber a avalanche das nossas acções sobre o ecossistema que encontrámos desde do tempo pretérito. E sem abandonar o desafio vital da sobrevivência, optássemos por aprender práticas que poupem a agonizante Gorongosa no ponto em que está agora. Gorongosa está aqui, ali, lá, acolá hoje e agora! E a destruição do seu ecossistema afecta à todos nós.
E custa para perceber que a destruição da Natureza à nossa volta está ao ritmo da SIDA na própria natureza humana. Logo que a morte indiscutível entrou nas casas sem travão, aprendemos com sacrifício e horas a fio a produção de ante-retrovirais que adiam-nos a morte. Análises laboratoriais de pacientes da doença zumbem muito alto do que o vírus não tem cura, mas aprendemos a conviver com ele e retardar-lhe a reacção dos efeitos nocivos à vida.
A hora de analisarmos a saúde do ecossistema da Gorongosa já bate a nossa porta. Juntos confessemos ecoar o tipo de vírus de que padece. A magrizela animal e vegetal de que se caracteriza actualmente o então gigante ecossistema tem dois inimigos principais:
A guerra e os furtivos que apostaram publicamente nos animais.
A paz e tranquilidade sociais que juraram desde 1992 liquidar as plantas, as árvores, as florestas, a vegetação.
Passam já 16 anos de guerra contra as florestas que se seguiram aos 16 anos de guerra contra animais nesta região da Gorongosa.
Completámos assim 32 anos de guerras. Ou lutamos contra animais e quando escasseiam-se fazemos acordos de paz e continuamos vivos. Depois levantamos outra guerra contra os vegetais e quando escasseiam-se assinamos acordos da nossa própria derrota.

Capítulo 9
Os filósofos do ambiente soam mais em datas ambientais que no dia a dia

Ser filósofo deste ecossistema é  buscar respostas sobre as origens, a infância, a adolescência, a fase adulta, a velhice, a morte e pós morte deste imemorável e memorável ecossistema.
É acreditar que a actividade humana sobre a natureza da Gorongosa foi tão catastrófica a ponto de inverter impiedosamente todo o cenário equilibrado que continha inúmeras vidas vegetal, animal e hidrológica em pleno convívio natural.
E se quisermos ver os restos a sobreviverem para outras gerações futuras, se quisermos adiar a morte completa deste ecossistema que embora debilitado assegura-nos vivos e poderia assegurar ainda a vida de amanhã, então ponhamos a mão na consciência e estudemos o tipo de anti-retrovirais para a infecção em causa (muitos diagnósticos indicam o desflorestamento, e o leitor?) da nossa Gorongosa.

Capítulo 10
                                   Só duas perguntas tímidas

Deixaremos o nosso ecossistema assim a extinguir-se? Viveremos só de rochas, poeira e areia no futuro? Os inorgânicos por si só podem pedir para nós as chuvas, oxigénio, fotossíntese, vida? A floresta que se despede é nossa. Aquela que já se foi era nossa. E com ela foram os animais que só podiam viver nela.

Capítulo 11
Mesmo na extinção da sua riqueza, Gorongosa continua a dar esperança

Se um grupo um dia se instalou para viver na Gorongosa, alguém ontem se instalou para viver na Gorongosa. Outro hoje está a se instalar para passar a viver aqui. E amanhã alguém mais se vai instalar para fazer deste ecossistema a sua morada. Todos em conjunto estamos a destruir o mais natural e substituindo-o com milho, mapira, feijão, mangueiras, bananeiras, ananaseiros, laranjeiras e com tudo que termina ou não com eiras, mas a viragem está evidente, palpável.


Capítulo 12
                      Gorongosa é um simples conceito geográfico

Gorongosa é aí onde vivemos e trabalhamos. Onde temos a oportunidade de agredir e assistir a violência vegetal: Gorongosa!
Alguns rastos da vegetação violentada: já dentro do espaço da Administração do distrito, dos vários escritórios cada vez mais informatizados da vila, missão, Chitengo, as múltiplas habitações modernas e tradicionais, construídas nas diferentes partes do solo da Gorongosa, as inúmeras machambas e grandes quintais aqui e ali, as estradas, picadas ruas, caminhos, ruelas construídas ali ontem, aqui hoje e acolá amanhã, inclusive as tarimbas (camas locais feitas de estacas espetadas no chão) e as camas modernas substituíram e continuarão a substituir uma ou várias árvores que sempre tiveram àquele sítio como seu habitat. E para isso temos justificação. O melhor sempre para a nossa espécie. Falta-nos a razão de deitar abaixo árvores e árvores, na velocidade de vento, para novas machambas, quintais, habitações, estaleiros comerciais, quintas, etc para as quais não temos alternativas de respeitar as árvores!
O crescimento abrupto e vertiginoso da população na Gorongosa e as necessidades de espaços a serem ocupados pelos novos homens em nascimento para instalarem os seus sonhos expansionistas sobre a moribunda vegetação não conhecerão estanque.
Como a Gorongosa foi Iraque, Síria, Turquia, o espaço entre os rios Eufrates e Ganges, a Fenícia, Grécia, Roma, a Europa ocidental. Zonas vingadas pela catástrofe das actividades humanas. Pelo menos aquele foi o caminho e enquanto os sítios tornaram-se menos férteis, o movimento humano deslocou-se sempre para novas terras, deixando em pousio as áreas cansadas que já não correspondiam com as necessidades de ser vingadas por culturas egoístas, culturas indisciplinadas, marginais ao comportamento vegetal sadio. Culturas que vivem a troco de outras culturas. E que morrem desgraçadas num ciclo tão curto de vida. Morrem vítimas da sua própria ignorância. Culturas homem e a razão de tanta empatia deste. Só tinham que simpatizar porque partilharam algo em comum. O comportamento individualista os impede de longevidade.

Capítulo 13
                 Quantos materialistas há em relação aos idealistas?

Oh... sensíveis, meus caros e famosos racionais, quando vamos tomar acções e evitar a extinção completa da vegetação puramente natural que há muito vem a manter viva a natureza animal, o ecossistema?
Pelas práticas que chamamos inteligência não conseguimos permanecer na mesma machamba. Precisamos de um nomadismo em detrimento da floresta tropical que consequentemente desaparece com seus animais que albergava.
Buscado o nosso orgulho de mais racionais, mais inteligentes, mais capazes de transformar a Gorongosa em melhor sítio simplesmente duvidámos se é o que encontrámos!

Capítulo 14
Na velhice da viagem à Serra da Gorongosa

Já de regresso e dentro do Parque vimos uma enorme porção queimada num Junho ainda jovem. Ali antes do rio Mussicadzi. Uma enorme planície castanha foi já visitada por um fogo matutino, vingativo e descontrolado. Talvez provocado por praticantes da arte de fumar e deitar as beatas. Ou até por furtivos de ratazanas. Dá para nos descartarmos dos praticantes precoces de mathema?
Pouco depois já estávamos a aterrar na pista cada vez melhorada de Chitengo. E agradecemos a Bertus que nos deu um ride exclusivo que associou o sagrado ao profano.

Se em 16 anos os animais do ecossistema declararam rendição porque é que em 16 anos a floresta tropical do mesmo ecossistema não pode conhecer a paz?

ü     A resposta sempre escapou entre os dedos da nossa inteligência!
04.06.08

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