sábado, 23 de outubro de 2010

Na Serra da Gorongosa, consequências da ´globalização´ ou desafios geracionais?

 IX Livro
19 de Outubro, 2008
Na Serra da Gorongosa: Convivências locais  (Nhancuma-Sadjunjira)
Introdução
           
            Dona Manassa, filha de Nhandi e do senhor Tupo, já custou mais do que 1.000,00 mts entre outras despesas feitas pela família de Bechane, seu marido, a menos de um ano no lar. Manassa decepcionou o marido e sua família ao ser encontrada em pleno adultério com um outro indivíduo de nome Nhampoca Chiringa no dia 12 de Outubro de 2008. Em plena ambiência de festa no dia dos professores no regulado de Sadjunjira, na povoação de Nhauliri, do chefe Mário Faera, a quase 8 km do Posto Administrativo de Vunduzi, no distrito de Gorongosa, Nhampoca Chiringa, mais do que nada, aproveitou-se de uma situação desajustada para professar a "sua vocação de adúltero". Desta vez a vítima foi a dona Manassa que acabara de acompanhar seu esposo Bechane que acabava de fazer sentimentos numa das casas de um familiar onde ocorrera falecimento, perto da casa dos pais de Manassa. Manassa, depois de acompanhar o cônjuge, quis relaxar e divertir-se na música que Nhampoca sempre toca a partir de um grande rádio comprado por seu pai, senhor Chiringa (antigo combatente). O adúltero usou a música, dança, bolachas, cabanga para aldrabar a senhora Manassa. E segundo a fonte, é já a segunda vez que Nhampoca comete adultério com esposas de donos, cuja primeira acabou sendo lhe entregue por esposa. Em Nhancuma-Nhauliri, os casamentos são sempre feitos na lógica tradicional onde as meninas se casam em tenra idade (menos de 12 anos) desde que ela aparente pequenos seios para ser entregue ao marido que há muito estava à espera dela. Mandar casar meninas em tenra idade faz com que haja muitos gastos que vão desde a fase em que os pais do rapaz escolhem uma menina para ser a futura esposa até à fase em que ao rapaz é definitivamente entregue a esposa. Segundo a tradição local, desde a escolha da rapariga até à data do casamento, os familiares do marido têm o dever de fazer despesas para a futura nora tais como roupa, material escolar (se estiver a estudar), sabão, entre outras coisas que a vida local exige da menina. Assim, os familiares do marido e o próprio marido acabam gastando muito mais, antes de terem plenamente a menina por esposa/nora. E em situações complicadas em que o divórcio está eminente, os pais da menina vêem-se em apuros para conseguir dinheiro suficiente no sentido de repor todos os gastos que vinham sendo feitos pela família do pretendido marido.     
            Cá mais para o interior do distrito, a menina é o maior e exclusivo produto que um homem pode obter por completo depois de um jugo incalculável de despesas que vão desde kubvunzira (anel), despesas no período antes do lobolo, lobolo propriamente dito, abertura de uma machamba para os sogros, construção de uma casa ainda para os sogros, mabatiro (festa de casamento), apresentação das crianças e o devido pagamento aos sogros, para além de inúmeras vénias que o genro deve aos seus sogros para obter a esposa. Em situações complicadas como o adultério, o homem e a sua família vêem-se decepcionados por todo o esforço despendido, e os bens doados em troca da esposa aceleraram o sentido de uma incalculável revolta da família do marido. Nas situações descritas, assiste-se geralmente a uma mudança radical de atitudes; de uma família da esposa bem gostada e adorada, da qual sempre se gastou a favor e se procurou ser cúmplice com mesuras para agradar e cumprir com as exigências matrimoniais e de bom senso, numa inesperada viragem, a mesma família torna-se inimiga, castigada e humilhada, condenada a pagar todas as despesas que a amável família do marido vinha fazendo para sustentar a menina até à fase da crise. E esta crise não se limita unicamente a esta família da esposa, alastra-se e com maior implicações para o infractor e sua família toda. Trata-se de uma vergonha que não só se circunscreve à família da adúltera, mas transcende grande modo para a família do infractor e com grande agravo. 
            Nhampoca não encontra justificativa para a sua indisciplina, como não encontraria em qualquer parte do mundo, com um comportamento menos fiável como o que lhe caracteriza ao pôr em divórcio duas senhoras. 
            Ainda sobre casamentos precoces, Macheme Nhabanga é exemplo de uma das meninas de tenra idade que o professor Marinho, declara ter abandonado a 3ª classe neste ano para assumir compromissos de casamento com o senhor Chaurombo, do mesmo bairro, que não admite que ela assista às aulas. A mãe de Macheme, Minora Matambo, diz ter mais uma outra menina que se casou pela mesma regra e já é também mãe de uma criança. Minora defende que mandou casar as meninas em tenra idade porque as próprias meninas começaram a cobiçar coisas como vestuário moderno que só os candidatos a esposos (analise a viragem de interesse em bens de pais para filha!) é que conseguem comprar e não os pais. Para Minora, Macheme é a 6ª criança e a situação não é limitada a ela, mas é comum a muitas meninas deste bairro de Nhancuma na zona de Nhauliri.
Isso não constitui novidade para mim, porque para além da vontade das próprias meninas quererem coisas que os pais não conseguem comprar com os produtos das machambas. Faz parte da tradição local mandar casar as meninas logo que elas tiveram os primeiros sinais de seios, o que indica que já são adultas e podem ficar em seus lares e aturar seus maridos evitando serem putas (Minora Matambo, natural de Nhancuma, Nhauliri-Vunduzi).

           De acordo com alguns locais, a atitude do Nhampoca é de índole familiar. Diz-se que um dos seus irmãos já praticou o mesmo escândalo. Segundo Janasse, pai de Bechane, Nhampoca Chiringa tem um espírito mau (localmente conhecido por gamba, que o obriga a tomar esta atitude e que o conduzirá à morte mais tarde ou mais cedo).
            Para Janasse, os rapazes e meninas de hoje em dia nem procuram entender o sentido e o conteúdo das músicas que ouvem cantar. Ficam apegados à forma de dançar e ao ritmo, do qual sempre dançam com qualquer menina ou senhora aí presente. Segundo uma tradição local: dançar com mulher de dono é aceitar a morte ou arriscar-se. E segundo Miquicene Manença (um cidadão local) encontrar sua esposa a dançar ou a praticar relações sexuais com qualquer homem a reacção é relativa:
Pode matar os dois em simultâneo aí mesmo ou deixar que o adúltero lhe pague pela violação da sua esposa e depois retomar a vida normal como se nada tivesse acontecido (Miquicene Manença, agricultor de Nhancuma-Nhauliri).

            Para Janasse, a grande crise cultural da actualidade tem várias razões entre as quais a dominância da cultura branca sobre a cultura negra nos adolescentes e jovens, cultura muito materialista que copiam nos filmes, na maneira de vestir assistida nesses filmes, novelas, revistas, etc.

Capítulo 1
Da Vila sede para Nhancuma
           
            Depois de algumas conversas não muito más em torno do uso de transporte do Parque Nacional da Gorongosa, um Nissan preto de canopi (?) branco conduzido por Issa Abdula, Jantar acabou cedendo ao meu pedido de boleia para Vunduzi. Aliás, tratava-se de uma boleia normal, já sabida a nível da empresa que me pediu apresentar os meus dias de trabalho no campo, de forma a gerir os meios circulantes. Eu já havia recordado ao director sobre a minha agenda do dia.    Partimos 6 pessoas perto das 8 horas; três senhores que estiveram a trabalhar com o Jantar no levantamento de dados das Infra-estruturas, o motorista, Jantar e eu. 400 metros mais adiante, Jantar achou melhor ficar ainda na vila enquanto nós avançámos. Os outros três homens também podiam ficar na vila se assim o desejassem. Seu trabalho naquela zona da Serra já se tinha dado por terminado, mas preferiram desfrutar um pouco o carro e o motorista Issa só agradeceu a companhia deles.
Mwagona? (como dormiu?)
            Issa, sempre paciente e submisso, aceitou levar-me para o interior do Posto Administrativo de Vunduzi depois de chegarmos à sede. Fomos a Nhancuma-Nhauliri onde me esperavam. Cerca das 9 e 15 minutos, Issa já tinha conseguido dominar a tenebrosa estrada e já éramos recebidos no quintal do Senhor régulo Marcelino Manuel Sadjunjira onde o carro ia acompanhar-me. O grande chefe veio ao nosso encontro desejou-nos boas vindas apertando-nos as mãos com muito respeito. Depois introduziu-me na sua matchessa.

            Apresentou-me a uma parte do seu elenco que já se encontrava aí à espera da chegada de mais dignitários locais. Saudei-os tentando imitar a maneira local; batendo as palmas antes, e depois proferir a palavra de saudação local: mwagona? (como dormiu?).

Capítulo 2
No tribunal régio local
           
Dentro da matchessa – tribunal - já estavam umas seis pessoas incluindo o próprio régulo. Fiz a sétima pessoa. Algumas caras aí presentes já me eram familiares. Refiro-me ao senhor Janasse e seu filho Bechane. Os outros, era a primeira vez que nos víamos. Um gesto de curiosidade e muita observação ocorreu na matchessa. Eu procurava fixar as caras para gravá-las e eles, como que roubando, só reparavam para mim quando eu estivesse a escrever. Nunca se deve reparar directamente na cara das pessoas, é falta de respeito. Deve-se fingir não estar a reparar a cara, pode fixar o olhar em qualquer outra parte do corpo, sobretudo nos pés, braços. Também se evita reparar para as ancas de ambos sexos. O normal é mesmo desviar a cara e reparar no vazio!
Capítulo 3
Produza um tenor ao saudar alguém em Nhancuma [Um tenor tem a voz forte, potente, mesmo, será isso que quis dizer??, ou ao contrário, fala em surdina?] Quis referir-me ao tom maus fino e alto, como o mais característico de menina na puberdade. Qual seria a nota nesse caso?
            Durante os ritos de saudação, por mais grossa que seja a voz, produz-se um tenor e reduz-se completamente a estéreo que chega a confundir-se; se se trata de um homem ou de uma mulher a falar. É que todos (homens e mulheres) se comportam da mesma maneira durante as saudações; reduzem espontânea e bruscamente as vozes. Saudar aqui é um autêntico rito. Janasse, já familiar comigo, primeiro começou por trocar a cadeira em que se sentava com a que os outros acabavam de dispor para mim. Avaliou instantaneamente a segurança e estabilidade das duas cadeiras e concluiu que a que ele tinha era óptima para um hóspede. Depois, apresentou-me seu sogro, Jofrisse. Saudei o Jofrisse com muita estima.

Capítulo 4
O papel social dos sekurus (avôs)
           
            Jofrisse é um juiz local e por sinal o mais idoso do grupo, portanto um dos mais respeitados cujas palavras ninguém ousa contrapor. Jofrisse sorriu para mim e contaminou-me; sorrio irresistivelmente mais aberto para ele. E senti-me orgulhoso em ter um homem tão respeitado por todos a acolher-me. Há uma brancura bem articulada que parte da cabeça e prolonga-se até ao queixo de Jofrisse fazendo um contorno e uma distribuição irregulares à medida que tal brancura sai da cabeça e se espalha pelo rosto abaixo em torno do queixo. E mais, quando o Jofrisse sorri, seus dentes complementam a brancura que se mescla com a parte externa da sua boca. Outros que estavam na matchessa eram: Nhampoca (o adúltero), seu irmão Xadreque e amigos, o dono da casa, mais dois senhores cujas identidades não me foram reveladas.

Capítulo 5
O ritual da saudação
           
Marissane Nkonde (secretário do fumo Manteiga Joaquim) acabara de chegar logo depois de mim. Antes de entrar no quintal, ele bateu as palmas ao longe. É a forma local de pedir licença antes de entrar no pátio de alguém e no caso vertente no quintal do régulo Sadjunjira. Lá estava o Marissane, com um gesto fenhedor (mesura exagerada), a vassalar-se diante do chefe máximo da zona. Depois de admitido, entrou primeiro para a matchessa, foi servido assento (ponta de um banco onde o arguido Nhampoca e seu amigo Mirione se sentaram), sentou-se primeiro, a seguir dirigindo-se ao régulo disse: Joaquim: bom dia régo (régo está no lugar de régulo).      Régulo: bom dia, mwagona. Marissane: damba penombo imwe baci régo. Régulo: damba tagona. Marissane: éh. Peno panyumba baci régo.     Régulo: ah tapuma. [falta a tradução]
Tradução
Joaquim: bom dia senhor régulo.
 Régulo: bom dia, como dormiu? Marissane: nada de mal, não sei você como está? Régulo: Nada de mal.  Marissane: e como esta a família aqui em casa? Régulo: menos mal.
            Após a saudação ao régulo, Marissane prosseguiu no mesmo gesto, e foi saudando a todos aí presentes. É importante lembrar que durante as saudações, a voz é muito afinada (de fino, não é possível?) e acompanhada de gestos graciosos que localmente conotam muito respeito para a pessoa saudada. Há, no entanto, uma ligeira diferença na maneira de saudar; os homens geralmente acocoram-se ou sentam-se no chão primeiro, depois batem as palmas cinco vezes num ritmo sucessivo e duas vezes num ritmo mais cadenciado totalizando sete toques de palmas com as mãos todas estendidas (chibobo). Depois podem apertar-se as mãos ou não dependendo da distância entre as pessoas em saudação. Foi assim com Marissane e com todos os outros que iam chegando aos poucos. Pode-se invocar o mutupo (tótem) da pessoa enquanto se saúda como; tamwona Tembo, cuja resposta pode ser pumani ou ndauwe ou então pode ser ndalamwe. Tembo, Malunga, Bande, Makate, Nhangulu, Bonda, entre outros mutupos e ramificações (são ramificações do mutupo tembo) como os Tsamaneas, Tsamaloas (nome familiar normalmente ligado a um grande chefe) são sempre invocados durante as saudações entre os membros da comunidade que bem se conhecem nesse sentido em Sadjunjira. As mulheres saúdam-se ajoelhando e fazendo vénias ao mesmo tempo que batem as palmas com as palmas das mãos cruzadas (chiphuphu). As regras daqui, durante as saudações, são variadas. Casas há em que quando alguém chega, antes de ser servido assento, primeiro senta-se no chão, saúda com muito respeito e naturalmente batendo as palmas conforme o seu sexo. Depois os donos da casa procuram um lugar apropriado para o hóspede que quando servido o assento, este começa por fingir dizendo pakwana pano (estou bem aqui), ao que o dono da casa vai insistir que o hóspede aceite sair do chão e sentar no lugar que lhe é servido. Forma que difere daquela em que alguém logo ao chegar é servido assento primeiro e só depois é que começa a saudação como em Nhauloi a escassos quilómetros das antigas lojas do Santo Mosca.   Nas saudações geralmente procura-se saber o estado de saúde de todos os membros das duas casas (da pessoa que acabou de chegar e da casa onde chegou) começando sempre pelas pessoas mais conhecidas indo aos restantes membros da família.

Capítulo 6
Paipi, o café local em Nhancuma

            Quase todos os adultos fumam aqui, em Nhauliri. A seguir à saudação, partilha-se o tabaco. O café daqui é o tabaco! Cada um trás normalmente algum tabaco consigo, embrulhado num papel, plástico, ou mesmo numa folha de bananeira. E se alguém não tem tabaco, anda já com alguns papéis (pedaços de folhas de bananeiras/ou de milho secas) no bolso e seguro de que dentro do grupo, não vai faltar alguém a trazer o tabaco, prognóstico que não falhou naquela matchessa - tribunal. Dividiam o tabaco para cada um dos presentes em plenas conversas, risadas, festas. Cada um preparava o seu paipi (cigarro local feito a partir de tabaco não processado). Punha-se um pouco de tabaco num pedacinho de quase de 8 cm de comprimento e talvez de 5 cm de largura. As dimensões exactas não interessam, desde que o pedacinho da folha consiga reter alguns gramas do tabaco semi-moído. Enrolava-se o kandundu usando a saliva para colar o papel por fora, um processo chamado por kuumba forya em folhas de bananeiras enquanto se desenvolvia conversas afiadas sobre temas variados relacionados com a vida na zona.

Capítulo 7
Como perceber as convivências e preocupações locais?

Concentre-se nas conversas espontâneas deles, primeiro.
           
Falava-se de chuvas que se estavam a fabricar pelo calor intenso que se fazia sentir, das machambas já limpas à espera da sementeira do milho, mapira, mexoeira, algodão, gergelim (localmente uthuwiro / citoe) logo que as chuvas chegarem. As criações, como bodes, cabritos cujas cordas (bote) para amarrar esses animais estão já em preparação era outro tema. O régulo, por exemplo, tem já no seu quintal muitas dessas cordas que ele sozinho tece e estica amarrando-as em restos de troncos de árvores abatidas, o que me lembra vedações de áreas onde as crianças são interditas de passear.
            Depois de se tecer as cordas é necessário esticá-las por algum tempo para adquirirem forma recta e não encaracoladas. Os cabritos não são deixados à solta na vizinha época de sementeiras, até os porcos são disciplinados em currais. As galinhas costumam escapar das cadeias de cordas ou das capoeiras.           
Uma das formas locais de evitar que os animais estraguem as culturas, costuma ser a de abrir machambas um pouco fora dos quintais das habitações tendo alguns quintais um pequeno mato de capim, arbustos, árvores onde as galinhas e outras criações vão buscando alimentos durante o dia e dificilmente podendo chegar às machambas. Outros constroem capoeiras, pocilgas, currais no seu quintal para controlar o movimento das criações. Todos comportamentos tidos como marginais e negativos são corrigidos na povoação em determinados períodos para favorecer outros comportamentos também marginais e talvez mais egoístas que se deixam passar por bons: por exemplo, as plantas racistas, tribalistas, puristas, extremistas, que só aceitam desenvolver-se em terrenos onde tantas outras plantas mais justas, mais tolerantes, mais democráticas foram violentadas, vitimadas, sequestradas, obrigadas a cederem seu espaço para as mais violentas e ´inteligentes´. Repare que algumas plantas mais sensatas guardam nelas próprias o seu amido; formam seus troncos grandes e saudáveis, ramos mais fortes, crescimento medrante, e consequentemente têm um ciclo de vida mais longo, utilidade primária ao meio ambiente e a mãe terra - plantas que justificam a diversidade do ecossistema, a abundância da vida na terra! O grupo de plantas anarquistas e violentas, as que têm garantido todo o apoio de outros igualmente violentos e anarquistas, utilitaristas e mal intencionados, os que as protegem porque as querem explorar, utilizar, viver à custa daquelas servis, pintadas de inteligentes, mais dignas e utilizadas. Esta é a preocupação do homem! Do homem do primeiro mundo e do homem de Nhauliri que ainda espera para pôr sapatos. Já não é surpresa que todos os homens, em contextos diferentes, segregando-se de civilizados e não civilizados, chegaram a mesmas conclusões: desajustar o ecossistema em favor de seus interesses, dessas plantas egoístas e inteligentes! Em qualquer parte do mundo e em circunstâncias diferentes, todos os civilizados e não civilizados chegaram às mesmas conclusões: proteger as plantas por eles a explorar: muitas delas, das que guardam seu amido em graus que consumidos pelo homem constituem o seu braço, a sua barriga, a sua energia psíquica e física, a sua cada vez mais perigosa forma de destruir o ecossistema a seu favor. Acusa-se ser inteligência, tecnologia, facilitação da sua vida, etc. A atitude básica dos homens de diferentes cantos do mundo se assemelha. Às vezes, os versados em alfabeto consideram-se superiores que os não alfabetizados. Esquecem-se que todos chegaram às mesmas conclusões; resolver as suas necessidades vivenciais da mesma maneira em contextos diferentes. É assim também em Nhauliri.
            Nhampoca, o culpado do mundo de Nhauliri naquele dia, estava calmo embora surpreendente sempre que intervinha - menos educado. Nhampoca tem a característica da geração actual em Nhauliri, ignora os níveis de língua e não selecciona o vocabulário que usa ao dirigir-se a adultos e idosos. O seu psíquico contradiz o seu físico, o corpo dele aparenta ter passado uma semana sem comer, com sulcos de desidratação na pele que se prolongam até aos pés escondidos em chinelos de cor amarela timbradas made in china.

Capítulo 8
Nhampoca, o exemplo da insegurança cultural actual

            Nhampoca é diferente de muitos adolescentes - senhores no temperamento. O comum é que os cronicamente famintos, menos amigos do alfabeto formal, pouco visitados pela moeda sejam mais bíblicos e respeitosos com mundo à volta, mas Nhampoca é diferente. Não olha para trás e consequentemente não vê longe! Foge-lhe a paciência de entender-se primeiro antes de procurar entender os outros, ou seja, para ele, as vivências locais, os hábitos, costumes, usos, tradições são absurdos e ultrapassados. Quer ser independente sem história. Chega mesmo a confundir-se com um makombe pequeno contra a forma de viver tornada hábito em Nhauliri. A agravar a sua condição, da mesma maneira que não domina o seu instinto sexual, também não enquadra o seu vocabulário na locução com os mais velhos, os idosos em sociedades instáveis como a de Nhauliri. Nhampoca fala disparatadamente num ambiente em que a auto-regulação prontamente o rectifica e ele, como que reconhecendo a sua marginalidade, pede desculpas mesmo em conversas informais antes do julgamento. Por exemplo chega a usar o pronome iwe (tu) ao invés de imwe (você) ao dirigir-se a adultos, comportamento só admissível em sociedades estáveis, para além de não usar o tenor, inclinar a cabeça, bater as palmas quando quer intervir.

Capítulo 9
O relativismo do respeito

Lembre-se que os cigarros (paipis localmente) não são fumados antes de se pedir permissão dos presentes por causa do fumo. E assim fazem todos antes de fumarem. O estranho é que os fumantes não saem do lugar. Percebem que podem estar a incomodar os que não fumam, mas não se retiram da matchessa, como que seguros que os mais novos aí presentes também acabarão por tornar-se fumadores.




Capítulo 10
Hálua e cabanga aos fim-de-semana

            Gradualmente vão chegando algumas das pessoas esperadas das quais depende a resolução do problema de adultério neste dia. Nesse contexto chega uma velha, é a mbuia (avó) Nhansoro, avó do Nhampoca Chiringa, o adúltero. Os presentes descobrem que a mbuia Nhansoro está um pouco tocada, isto é, um pouco embriagada. Ela admite ter tomado alguns copos de hálua (bebida local feita a partir de mapira fermentada sem açúcar) ao longo do caminho para a casa do régulo. Mas recusa estar embriagada, embora o comportamento bem elucidasse o facto. Depois de rápidas críticas a esta atitude da mbuia Nhansoro, continua-se no ritmo cadenciado de espera pela chegada de mais dignitários locais para a resolução do problema. Os wakulu (graúdos, os chefes) presentes conversam naturalmente, como se não tivessem atritos sociais. Quer a família de Nhampoca (o adúltero), quer a família de Bechane (cuja esposa foi adulterada) conversam muito a vontade antes do início da resolução do conflito enquanto se espera pela chegada de mais pessoas.
            A seguir chegou um irmão do Nhampoca, de nome Xadreque Chiringa. Xadreque chega acompanhado de sua esposa e de uma criança de sexo feminino. O irmão de Nhampoca estava trajado de uns calções brancos com alguns furos espalhados ao longo dos calções, furos que não deixavam os órgãos sexuais de Xadreque se verem fora. Xadreque pediu permissão para entrar no quintal de sua excelência o senhor régulo Sadjunjira. Seguiu a lógica tradicional de acocorar-se antes de ser admitido a entrar na matchessa -tribunal; bateu palmas cinco vezes consecutivas e duas vezes mais cadenciadas para ultimar, depois proferiu as palavras de saudação primeiro para o régulo e posteriormente para todos os presentes. Eu era sempre o último a ser saudado, não por ser o menos importante, creio, mas porque tradicionalmente começa-se por saudar as pessoas mais conhecidas e ultima-se pelos hóspedes. Parece que há alguma a lógica nisso: são os conhecidos aí presentes que já estão com hóspedes e que podem apresentar aos que acabam de chegar quem são tais hóspedes. 

Capítulo 11

Nunca prometer alguém (embriagado ou não) ver algo em Nhancuma

             Xadreque disfarça-se de chateado, procura distrair a atenção do auditório que veio para resolver o problema de irmão dele expondo uma promessa que lhe foi feita ao longo do caminho para a casa do régulo. Ele diz que alguém o intimidou com promessas de você há-de ver. Em Nhauliri não se deve prometer a ninguém ver algo, por mais zangada que se esteja. Para além dos gambas (espírito de um morto que se pode comprar para fazer mal a pessoa/família com que se tem maldade) há ainda a feitiçaria e o n´fukua. Os feiticeiros geralmente aproveitam-se de pessoas que prometem maliciosamente a outras para enfeitiçarem as prometidas a coberto dos prometedores. E ´você há-de ver´ é uma promessa localmente muito forte que anda associada a maldade muito grande. Com você há-de ver a pessoa prometida espera desgraça como a morte dela ou de algum membro da família, ver coisas incríveis, acidentar-se gravemente, entre outras formas de desgraça. Por isso mesmo, Xadreque aparentemente esteve bastante preocupado com a promessa que o Loiani lhe fez, expressa em palavras de você há-de ver. Contudo, todos aí presentes acalmaram Xadreque garantindo-o que tal promessa não sortiria em problema nenhum, a pessoa devia estar simplesmente a procurar intimidar o Xadreque pela atitude do irmão.

Capítulo 12
Mesmo com problema em casa, Xadreque veio à resolução pouco embriagado

Xadreque pede desculpas sozinho antes de ser acusado de ter provado hálua ao longo do caminho como a mbuia Nhansoro, avó dele. Xadreque confessou ter provado alguma hálua, mas a exemplo da mbuia Nhansoro, ele reconhece, no entanto, não estar embriagado.


Capítulo 13
Bata palmas antes de apresentar seu assunto aos sekurus

            Lembre-se de que em Nhauliri, antes de apresentar qualquer assunto aos mais velhos e à autoridade tradicional local, primeiro bate as palmas no ritmo já descrito acima, sobretudo, quando a pessoa que vai apresentar o assunto for um homem. Se for uma mulher, normalmente bate três vezes as palmas, levanta-se e faz vénias e depois é que apresenta a questão.

Capítulo 14
Esperar é sempre difícil, salvo que se trata de amantes

            Pouco depois era o Loiani a chegar. Loiani é o homem que disse ao Xadreque você há-de ver. Não podia despontar ninguém ao fundo dos caminhos que conduzem ou passam pela casa do régulo sem que fosse visto. Era um delírio autêntico. Tinha-se muita esperança pela chegada de mais pessoas e a qualquer momento os olhos dos presentes na matchessa ladeavam pelos caminhos para escrutinar quem fosse a próxima pessoa a chegar. Foi assim que se viu ao de longe ainda, a vinda do Loiani.

Capítulo 15
As tecnologias introduzem alterações nos costumes locais

             Loiani veio de bicicleta. Que violação da regra! Entrou no quintal do régulo reduzindo a velocidade. Só desceu para cumprir as regras de chegada na casa de alguém quando já estava no quintal. As invenções e tecnologias não só são úteis, como gradualmente vão roubando as formas costumeiras do saber ser já padronizadas introduzindo outras que desculpados vão constituindo novas dinâmicas sociais. Não é assim também com telefones novos? Sempre que alguém tem um telefone novo, sobretudo no Vunduzi e em Nhauloi. Em plena conversa, se lhe chamam, o indivíduo prefere subitamente e sem se desculpar atender primeiro o telefonema que adiar para outra hora ou pelo menos desculpar-se.

Capítulo 16

Que sensação quando um adversário desponta ao longe?

            Já de longe o Xadreque anunciava que o homem que estava a chegar era precisamente aquele que o prometera de ver. A sua raiva transbordava pela boca, inundava as mentes presentes a seu favor reclamando justiça. Volta-se a instalar uma atmosfera que obriga os presentes a reiterarem a certeza de que nada lhe vai acontecer pelas palavras do Loiani. Assume posição de violência e garante que o Loiani terá que explicar-lhe o que vai ver.
            Porém, a bicicleta, que muitos conseguem comprar depois de uma boa safra aqui em Nhauliri, anda muito depressa. E quando a pessoa já está perto, nunca se deve falar mais dela porque senão vai ouvir e pensar que estavam a falar dela e pode irritar-se. Então muda-se subitamente de assunto. Se for o caso de se falar de mais alguém em aspectos negativos na sua ausência então fala-se de pessoas que ainda não chegaram. E foi assim. Falou-se do comportamento bêbado de Termo (Cabo da Terra do régulo) que era menos esperado por que certamente estaria embriagado como já esteve no dia 16 de Outubro. Então Loiani foi encostar a sua bicicleta numa das árvores no quintal do régulo. Estranho! Este régulo tem muitas árvores no seu quintal. Só cortou as que estavam mal localizadas nos lugares onde ele pôs suas habitações. As outras, deixou-as ficar à vontade dentro do seu quintal já que não são aquelas plantas devastadoras que só sobrevivem em terrenos onde existem plantas da mesma natureza. Não sei se é noção implícita de conservação ou se é uma pacificidade democrática que caracteriza este régulo Marcelino Manuel Sadjunjira. Então Loiani usou uma das árvores, encostou aí a sua bicicleta. Depois veio para a varanda da matchessa, cumpriu com as regras costumeiras, começar pela saudação, inquirir na saudação o estado de saúde de todos os membros da família saudada. Loiani entrou na matchessa, saudou os presentes, tirou tabaco do seu bolso, dividiu pelos presentes e estes tiraram de seus bolsos papéis (folhas de bananeiras) e começaram de novo preparar os seus cigarros. Cada um usava a sua saliva para colar o papel, por fora, o papel do paipi. Afinal a saliva cola?

Capítulo 17
Todos são familiares aqui em Nhancuma

            Pouco depois chegam mais pessoas, todos são familiares aqui em Nhauliri. Mesmo o Nhampoca (que supostamente adulterou a esposa do Bechane) é neto de Janasse, pai do Bechane. E quase todos se conhecem muito bem. Todos quando chegam seguem as regras de saudação conforme o seu sexo. No grupo dos que acabam de chegar está o pai da Manassa. Depois chega a própria Manassa e sua mãe. Chega igualmente o juiz Fungai.

Capítulo 18
A sessão parecia estar prestes a iniciar

            Criou-se uma atmosfera que parecia estar para iniciar a resolução. Talvez porque algumas pessoas aí presentes já começavam a perder paciência pela demora das outras convidadas. Nessa ambiência, Janasse tira nipa. A nipa estava num vasilhame daqueles plásticos que trazem vinho tinto, e estava cheio e entregou ao juiz mais velho, o seu sogro Jofrisse. Talvez porque muitos dos que acabavam de chegar vinham um pouco tocados (embriagados). Era para o Jofrisse e o régulo tomarem naquele momento antes de iniciar a resolução. Jofrisse recebeu. Estava lado a lado com o régulo na matchessa. Os dois acreditaram que só iriam beber depois de resolvido o conflito. Por isso guardaram a sua bebida.

Capítulo 19
Quem não bebe neste bairro?

            Aliás, muitos neste bairro recôndito, bebem algum álcool. Mesmo os adolescentes de ambos os sexos bebem álcool. Pelo menos foi assim que muitos testemunharam e é assim que à frente se vai provar ainda neste textinho. Eram quase 11 horas quando finalmente chegou Mulombo, um juiz mais jovem em idade, porém, mais forte de todos na oratória e protocolo. É mesmo dele que se esperava. E com ele chegaram mais uns três senhores. Em Nhauliri, é a autoridade tradicional que resolve os conflitos entre as famílias e não o régulo sozinho. E tal autoridade tradicional é todo um conjunto de indivíduos bem seleccionados e influentes que sem a sua presença, o régulo sozinho não resolve os conflitos. Deixa-me acreditar que é a maioria que deve assumir as causas sociais e não um indivíduo sozinho nesta povoação. E o régulo, consciente disso, continua paciente e esperando que cheguem todos os seus actores principais para depois iniciar-se a sessão. Cada um aqui em Nhauliri tem o seu papel social bem definido e o régulo funciona como um árbitro que só intervém quando realmente precisa de endireitar algum juízo.

Capítulo 20
Ainda na informalidade

            As histórias continuam por algum tempo, Marissane Nkonde (com defeito no olho direito) vai contando a sua experiência de vivência no Zimbabwe. Ele viveu neste país vizinho por um período de 12 anos e não tinha nenhum familiar, vivia sozinho. Aprendeu a não fazer mazio (provocação) num ambiente onde ninguém o podia socorrer por ser estranho. Porém, nutriu espírito agressivo que sempre via os zimbabweanos a tomarem quando provocados e nervosos; lutar contra o provocador usando todos recursos à sua volta como pedras, paus, arma branca, instrumentos cortantes, etc., uma luta que só termina com a morte de outra pessoa.
            Aproveitando-se da fúria do Xadreque contra Loiani, da semi-embriaguês de muitos aí presentes e da nipa tirada por Janasse, Marissane desculpou-se de não beber ocasionalmente. Diz que bebe depois de permitido pelos seus espíritos aos quais ele deve consultar antes. Só se a resposta de seus espíritos for favorável, ele pode beber álcool. Se ele tomar algum álcool contra a vontade desses espíritos ele pode entrar em mazio com outros e tomar atitude de um zimbabweano provocado. Depois que os zimbabweanos conquistaram a sua Independência em 1980, dificilmente admitiram mazio, humilhação e outras formas de provocação. Ele assegura que viu zimbabweanos se matarem por causa de mazio. Viu várias vezes casos desses chegarem nas mãos da autoridade administrativa zimbabweana, cuja resolução passava por uma consulta às autoridades tradicionais da zona onde ocorre tais agressões sobre as condutas, culpabilidade das pessoas envolvidas. Curioso, no Zimbabwe há uma forte sinergia entre as duas autoridades (administrativa e tradicional) na solução de conflitos sociais! Marissane continuou a partilhar sua experiência trazida do Zimbabwe. Estranha coincidência de atitudes entre as autoridades tradicionais zimbabweanas e as da zona da Gorongosa depois da colonização. No Zimbabwe, logo que se provasse que o malogrado foi quem começou com o mazio, portanto considerado culpado, o agressor que conscientemente fosse se apresentar sozinho nas mãos das autoridades administrativas e confessasse ter morto alguém, podia ser solto da cadeia preventiva depois de confirmada a sua inocência.


Capítulo 21
Raízes comuns?

            Interessa observar que também na zona de Nhauliri, no regulado de Sadjunjira (na base leste da Serra), assim como em Canda, Tambarara, Juchenje, Sacudzo, Chicare, Nhanguo, Nhampoca, Tica, Muanandimãe, Catemo, e em outros regulados do interior de Sofala, onde existe a autoridade tradicional, todos os problemas graves, relacionados com agressões que resultam em mortes, graves ferimentos, uso de armas brancas, uso da suruma, entre outros, são actualmente canalizados para as autoridades administrativas dos Postos Administrativos, sedes de Distritos onde existem polícias, tribunais. A única estrutura tradicional sobrevivente no interior (régulos, chefes de povoações/sapandas, fumos), depois de desfeitos os impérios e os mwenemutapas (os presidentes do império) que eram hierarquias máximas antes da colonização, a estrutura tradicional sobrevivente no Zimbabwe e em Moçambique passou a prestar contas às autoridades administrativas instituídas. Há uma consciência clara nos régulos que eles não são a última instância desde os tempos passados. Os problemas graves que eram, em última instância, canalizados pelos nhakwawas (governadores provinciais) aos mwenemutapas (presidentes) são actualmente canalizados à polícia e esta, por sua vez, os pode canalizar aos tribunais distritais se não forem problemas da sua competência. A procuradoria e a sua função é menos conhecida no interior.
             Marissane continuou com as histórias: 
Se eu bebo e alguém faz mazio comigo, não tenho outra forma de reagir senão pegar em qualquer coisa à minha volta e descarregar na pessoa que me provocou. O que pode causar a morte da pessoa e terei que incorrer processos mais complicados e ser preso (Marissane Nkonde, em 19 de Outubro de 2008, Nhauliri-Sadjunjira).

            Como se pode ver, Marissane não quer matar e por isso mesmo, para ele consumir alguma bebida alcoólica, deve antes obter permissão dos seus espíritos a favor, o que não correspondeu a verdade pelo menos naquele dia e aí na matchessa, como adiante se verá. Ocorreu um grande silêncio entre o auditório do Marissane. Muitos estavam aterrorizados com as descrições e a forma ameaçadora em que Marissane falava. Os seus gestos corporais dramáticos, o seu olho deficiente, os movimentos agressivos das mãos, a veemência e o tom que ele assumia pareciam um possesso de gamba a procurar um adversário entre os presentes na matchessa para provar o que viveu em doze anos fora da sua terra natal.
            Quão marcante é o pouco tempo vivido em ambiente diferente do costumeiro, rotineiro, habitual. Não foi assim que os europeus se apaixonaram pelo estilo de vida não europeu, que os africanos se apaixonaram pelo não africano e como consequência houve uma dinâmica social, cultural, económica, política, etc, diferente?
Capítulo 22
A última delegação de dignitários

            Finalmente chegaram as últimas pessoas esperadas para a sessão arrancar, também pouco embriagadas como as que chegaram primeiro. Era domingo, fim-de-semana, em que tradicionalmente os locais se divertem tomando algum hálua, cabanga, nipa, ou mesmo tchacutchena (álcool branco). Não podiam perdoar todo o álcool por causa do problemazinho de Nhampoca. Que problema que nunca foi sério? E qual o dia que nunca teve problemas? E se a resolução de problemas significa não tomar álcool, então as fábricas que produzem álcool poderiam fechar porque todos os dias os homens têm problemas sérios a resolver! Pior é que não era dia de trabalhos na machamba, a actividade básica por estas zonas do interior de Sofala.
Capítulo 23
E as machambas

            Neste dia, vivia-se um silêncio total nas machambas sempre caracterizadas por fumos, fogos, ruídos de cortes de árvores, os movimentos de enxadas a gastarem-se no solo duro e crianças a suplicarem a presença de suas mães envolvidas em trabalhos de capinar. Os choros das crianças debaixo das capulanas erguidas sobre estacas espetadas no chão só costumam irritar as macaiaias. Estas, de olhos vermelhos das derrotas pelos choros das crianças inconsoláveis, habitualmente vão gritando: ho-ho-hóh, ho-ho-hóh, ho-ho-hóh, ho-ho-hóh, yhe-yhe-yhé, yhe-yhe-yhé, yhe-yhe-yhé, yhe-yhe-yhé, shiih-shiih-shiih, shiih-shiih-shiih, numa tentativa de mandar calar as crianças enquanto as mães estão na machamba a capinar e se preocupam em ir atender as crianças que estão a chorar.

Capítulo 24
A crise dos assentos

            Sentiu-se uma crise, era a falta de assentos para todos os que acabavam de chegar. Foi então quando outros começaram a sentar-se no chão (um chão poeirento, nodoante, marcante), ou em pedaços de paus, pilões, mesas.          Depois chamou-se as mulheres que estavam sentadas longe dos homens. Estas aproximaram-se da matchessa e sentaram-se no chão porque já não restavam lugares (cadeiras, bancos, pilões, paus) onde elas pudessem sentar-se. De onde saíram elas se haviam sentado em algumas esteiras meio rasgadas que não ousaram trazer para a matchessa onde foram chamadas para entrar. Mesmo alguns homens ousaram sentar-se no chão por falta de lugares quanto mais mulheres numa sociedade patriarcal[1]. Elas sentaram-se no seu canto, como de sempre, sem nunca se misturarem com os homens. Formaram aí o seu grupinho de mulheres e a Manassa e sua mãe, Nhandi, foram obrigadas a sentarem-se à frente das outras mulheres dentro da matchessa tendo diante delas a meia-lua de homens à volta. Nenhuma das mulheres se aproximou dos homens, com excepção de algumas idosas que, graças ao seu estado de embriaguez, ousaram aproximar-se e falar directamente com os homens.

Capítulo 25
As mulheres, essas nunca se juntam aos homens!
            Escutando as conversas dos homens, elas constituíram um grupinho no seu canto de onde escutavam e por vezes intervinham no diálogo. São muitos os assuntos abordados nas conversas; pessoas da zona e de suas condutas, enquanto alguém que acabara de chegar ia rotineiramente distribuindo tabaco que trouxera pela maioria aí presente. Os outros, em tom de alegria, riso e conversas amigas iam recebendo o tabaco em distribuição.

Capítulo 26
As crianças assistem e aprendem por estar presentes

            Na matchessa - tribunal, os garotos vão se pendurando em estacas da vedação das paredes, tudo isso porque eles não têm o direito de assento fixo. Fala-se aí de fulano, sicrano, beltrano. E sempre se fala de pessoas que ainda não chegaram ou jamais vão chegar. À medida que os falados vão chegando, automaticamente deixa-se de falar daquelas e passa-se a falar de outras pessoas que ainda não chegaram.

            Pouco depois volta a matchessa a encher-se de fumo, porque a maioria está a fumar seus paipis, enquanto limpam suas gargantas para iniciar a resolução do conflito.

Capítulo 27
Finalmente a máquina esperada arranca
           
Eram quase 11 horas quando a sessão arrancou. Primeiro chamaram-se todas as mulheres que estavam sentadas fora da matchessa, no seu canto, para se aproximarem da matchessa. As arroladas no problema foram convidadas a sentarem- se no centro vis-à-vis aos sekurus (avós), juízes, régulo, anciãos. Todas as mulheres aproximam-se da matchessa, sentaram-se primeiro fora, na varanda. Jofrisse obrigou-as a entrarem e sentarem-se dentro. Elas resistiram por algum momento, relutam, hesitam, receiam. O juiz Mulombo, com um tom mais autoritário e difícil de desobedecer intervém reforçando a intenção de Jofrisse; Venham cá dentro. Entrem depressa e sentem-se à sombra. Manassa e a mãe dela sentam-se mais para frente do grupo (Mulombo, juiz do régulo Sadjunjira).

Capítulo 28
O sol protestante do dia desidratava até as árvores

            Já fazia um sol agressor, escaldante, insuportável e sentar-se fora era um grande compromisso com o sol do dia. Manassa e sua mãe sentam-se na posição esperada. A sessão começa com o Mulombo a quebrar o gelo e abrir o activo. Introduz o assunto como se todos aí presentes não soubessem o que vieram fazer num domingo. Na verdade, os conflitos sociais nesta zona são resolvidos normalmente aos sábados e só se relegam para os Xadreque se todos os convidados não se fizerem presentes no sábado. De início a sessão não tinha muito critério. Mulombo admite que deve ser o Janasse, pai do Bechane, a expor primeiro porque foi quem veio à casa do régulo apresentar a queixa. Janasse pensa que é o seu filho quem deve expor primeiro porque é dono da esposa e a pessoa mais ofendida. Subitamente Mulombo ganha regra e corrige. Indica que é a mãe de Manassa quem deve começar por apresentar o caso porque foi esta senhora que se dirigiu à casa de Janasse para informá-lo da situação logo que teve informação da ocorrência. Estranho. Todos, afinal, já se informaram primeiro do problema, dos circuitos e das circunstâncias da sua ocorrência antes do dia da resolução! Como é possível que Mulombo saiba que foi a mãe de Manassa a ir apresentar-se ao Janasse e informá-lo e que foi Janasse a ir à casa do régulo apresentar a queixa? Todos os presentes concordam que deve ser a mãe de Manassa a expor as circunstâncias que a levaram a ir informar o Janasse do adultério. Também fica claro que todos já sabem como a informação veiculou até ao momento do julgamento em casa do régulo. A dona Nhandi, mãe de Manassa, começa a falar:
            Manassa saiu de casa para acompanhar seu marido que passou por minha casa saindo de uma outra casa onde tinha ido fazer sentimentos. Chegado à minha casa, conversou um pouco connosco e depois sua esposa, Manassa, acompanhou-o. No caminho, ela regressou para casa e pensou que devia ir ao madindindi (dança) logo que acabou de jantar. Lá foi ela. Atrás pensei que devia ir buscá-la porque mulher de dono não pode ficar fora de noite por muito tempo. Lá fui. Quando cheguei o ambiente era tão bom que acabei ficando por lá até quase ao amanhecer. Chegado o tempo que devia regressar à minha casa depois dos últimos galos cantarem, saímos. A caminho de casa, Manassa disse que queria passar por um outro caminho diferente do que eu tomei. Proibi-a mas ela respondeu-me que quando foi à dança não estava na minha companhia e, portanto, conhecia muito bem o caminho para casa. Lá ela se foi num outro caminho. Vi à frente dela umas faíscas de lanterna, consultei o que se tratava e ela disse-me nada estava a acontecer e continuou o seu caminho. Eu também me fui embora para casa. Chegada a casa, tempos depois ouço ela a vir para casa a chorar. Perguntei-lhe o que se passava e ela disse que estava a ser violentada por Nhampoca, o homem que anda a tocar o aparelho nas cabangas. Mas ela não me disse se foi sexuada por este rapaz (Nhandi, mãe de Manassa).

Todos se riem das declarações dela, Nhandi. Foi ao madindindi para levar a filha para casa e acabou ficando por lá toda a noite até ao amanhecer, deixando seu próprio marido sozinho toda a noite e por fim nem trouxe a Manassa para casa. Consequentemente a Manassa traz para casa uma grande achega de ter sido violentada no caminho que ela sozinha insistiu tomar recusando a companhia da mãe. Muita dúvida se instala no auditório. A razão aqui se confirma pelos gestos, murmúrios colectivos de aceitação ou refutação.
 Mulombo passa a palavra para a Manassa se explicar. Ela: Eu fui ao madindidi para passear. Tinha meus 2 meticais. Às tantas pensei em ir comprar bolachas numa banca próxima. Nhampoca seguiu-me. No caminho conquistou-me. Disse que queria casar-me. Eu recusei-o. Disse-lhe que já tinha marido, mas ele insistiu e eu continuei a negar-lhe. Voltei ao madindindi. Pus-me a dançar. Nhampoca comprou cabanga e serviu a minha amiga Maria. Ela trouxe para mim. Eu bebi. Depois Nhampoca comprou um pacote de bolachas e entregou a Maria para me entregar. Comemos as duas as bolachas. Durante a dança Nhampoca pegou-me no braço para dançarmos juntos, mas eu recusei. Não dancei com ele. Ele insistia-me sempre mas eu sempre recusei. Quem recebia as coisas dele era Maria que depois trazia onde eu estava. Quando saímos da dança o Nhampoca perseguiu-me atrás. Pegou minha capulana e puxou. Eu tinha para além da capulana duas saias dentro e uma blusa. Ele rasteirou-me várias vezes mas eu sempre levantei. Ele depois tirou seu calção (calções) e ficou de biquini. Estava quase nu. Insistiu que fizéssemos sexo, mas eu neguei. Foi nessa luta toda que acabamos sendo surpreendidos, mas eu tinha toda minha roupa e ele não conseguiu violar-me (Manassa, esposa de Bechane Janasse).

            A seguir às declarações de Manassa, Mulombo passa a palavra ao Nhampoca para explicar-se. E Nhampoca, sem hesitar começa:
            Tudo foi nosso combino eu e a Manassa. Eu perguntei se ela era casada e ela disse-me que não tinha marido, portanto não era casada. Apresentei-lhe a minha vontade de casar-me com ela e ela não resistiu, aceitou. A seguir comecei a fazer-lhe despesas: comprei 7 copos de cabanga que ela foi bebendo e é ela quem os recebia. Comprei-lhe um pacote de bolachas que ela própria recebeu, abriu e começou a comer com a amiga. Meu amigo Mirione foi testemunha e quando ela disse que não tinha marido, Mirione contradisse-a mostrando que conhecia o marido dela muito bem. Mas ela própria insistiu em dizer que não tinha compromissos com ninguém, podíamos ser um bom par. Dancei com ela muitas vezes na mesma noite e peguei-lhe as mamas sem problemas. Não sei porquê ela anda a trocar as palavras aqui e agora. Até foi ela quem me explicou o caminho que depois usamos porque eu não conhecia muito bem a zona. Quer o caminho, quer o lugar de encontro foi a Manassa quem me instruiu. Quando chegámos ao lugar eu tirei meu calção (calções) e... não vi quando a primeira testemunha chegou e surpreendeu-nos. Estive a vontade porque sabia que ela não era esposa de ninguém. Depois pus meu calção e fui-me embora quando apareceram duas senhoras no lugar onde estávamos (Nhampoca Chiringa, o adúltero).          
Capítulo 29
Manassa, Manassa, Manassa!

Depois das declarações de Nhampoca, instalou-se uma discussão muito forte. Ficou claro que todas as culpas estavam com a Manassa porque foi ela quem conquistou o homem, o Nhampoca. E ela não devia ter dito que não estava casada quando na verdade tem marido. E não podia andar a consumir bens do Nhampoca se ela não estivesse de acordo com as intenções dele. Muitos deram razão ao Nhampoca depois das declarações deste.

Capítulo 30
Agora Nhampoca

            Perguntado se consumou o acto sexual com a menina, Nhampoca recusou-se a admitir, apoiando-se nas palavras da própria menina segundo as quais não chegaram de consumar o acto. Admite, no entanto, que estava nu com os calções pendurados numa árvore.
Capítulo 31
Xadreque entra sem sucessos

            Depois de algumas insistências por parte da plateia, Xadreque entra a acudir seu irmão. Xadreque não quer que insistam com perguntas se Nhampoca teve sexo com Manassa. Segundo Xadreque, a menina é que tem a verdade. Se ela disse que não fez então ninguém deve forçá-la a dizer o que não fez. Contudo, a experiência e inteligência local mostra que nunca se admite publicamente ter tido relação sexual com alguém. O adultério é como feitiço, como o roubo. Ninguém admite a primeira que praticou tais acções. Só depois de alguns castigos corporais é que se costuma confessar a verdade. E os wakulus (idosos) enfatizam que todo o caçador só manipula a sua arma quando tem o alvo na mira e ao seu alcance. Se Nhampoca tirou seus calções e os pendurou, até numa árvore, é porque ele tinha já ao seu alcance o mucongo (a vagina) dela. Com as palavras do Nhampoca, os sekurus (avós) e os adultos aí presentes concluíram que realmente o acto se tinha consumado. Se ele manipulou, calculou com certeza a distância do seu alvo.
Capítulo 32
Porque Manassa não gritou?

            Nesse momento sente-se a falta de testemunhas porque as contendas e contradições eram cada vez maiores. A menina insistia que não chegou a consumar o acto. O público questiona: porque não gritou quando tinha casas na vizinhança se é que se sentia violada Ela defende-se: que Nhampoca a pegava pelo pescoço por isso ela não gritou em todo o processo. Porquê ela se meteu no caminho esquisito consciente que alguém a perseguia, porquê ela negou abusivamente a companhia da mãe se ela não tinha consentido às intenções do Nhampoca, porquê ela ficou tanto tempo até ao amanhecer se ela tem consciência de uma senhora responsável, como é que ela sozinha diz que caiu repetidas vezes e não conseguiu tempo para gritar, como é que ela só começa a chorar quando descoberta por pessoas conhecidas, etc., eram das tantas perguntas que o auditório levantava depois das declarações das três pessoas. Mulombo, o juiz mais forte do dia e talvez o mais forte mesmo de carácter, quebra o barulho e passa a palavra ao dono da esposa, o Bechane:
            Ouvimos da minha sogra. Foi ela quem levou a informação para a casa dos meus pais que minha esposa cometeu o adultério, foi cópulada por Nhampoca (Bechane Janasse, dono da esposa adúltera).
Capítulo 33
Nhandi contradiz o genro furioso e este perde controlo das palavras

            A sogra resmunga. Diz que não foi o que disse, mas sim que Manassa esteve a ser rasteirada, e capoeirada por Nhampoca. Bechane enerva-se mais com a contradição pública da sogra. Diz que tinha o direito de bater nas duas: sua esposa e sua sogra, não fez porque considerou o conselho de seu pai de não agir agressivamente e esperar pela decisão da autoridade. Uma legitimação local da autoridade tradicional. Qualquer autoridade consentida ou imposta também se torna cultura nos homens! Bechane ouviu o conselho do pai e não agrediu fisicamente a ninguém, embora estivesse bastante chocado com a esposa, sua sogra, Nhampoca entre outras pessoas coadjuvantes que permitiram que sua esposa caísse nas mãos de Nhampoca.
            Bechane não conseguiu mais esvaziar a sua raiva. As palavras desertavam da boca dele, várias vezes procurou prendê-las, mas elas simplesmente se recusavam a amizade. Via-se o esforço dele em expressar algo, e a frustração que experimentava pela desordem do seu estado de espírito. Mulombo preferiu passar a palavra ao Janasse, pai do Bechane, para declarar as circunstâncias em que a consogra, mãe da Manassa, lhe aproximou e apresentou a situação.
Capítulo 34
Janasse é mesmo metódico

            Janasse conhece as regras locais, levanta-se, aplica algumas vénias não como as seguidas pelas mulheres, só se inclina duas vezes batendo as palmas sem reparar para nenhuma cara dos adultos e sekurus aí presente. É um gesto local antes de alguém apresentar algo à assembleia. Todos aí apreciam a consideração e correspondem positivamente com as cabeças e gestos corporais como que dizendo: isso mesmo, você nasceu em Sadjunjira. O pai de Bechane sentara-se no pilão, entre o juiz Mulombo e Jofrisse, tendo régulo na sua parte traseira. Estava frente a frente com sua nora na numa posição que pouco embaraça as mulheres quando estão para se sentar, se levantar ou mudar de posição. É que as mulheres aqui trajam-se de capulanas que não descem muito para além dos joelhos o que lhes dá alguma ginástica ao se sentarem, se levantarem ou mudarem de posição tendo um homem por frente. As mãos e os braços delas cruzam repetidas vezes o espaço entre as duas pernas controlando a capulana por aí para não deixar espaço aberto entre as pernas por onde os homens podem ver o mistério. Janasse pede que Nhandi lhe deixe apresentar o caso sem interrupção. É hábito dela não deixar os outros completarem o pensamento. Os presentes concordam.
            Janasse começa por traçar todo o itinerário que levou até ter Manassa por nora, quando ele e sua esposa, Anita, decidiram arranjar mulher (mulher aqui significa para além de alguém de sexo feminino, esposa) para seu filho Bechane e acharam que havia alguma vontade entre Bechane e Manassa. O casal reforçou a vontade dos dois, criou espaço para Bechane e Manassa se enamorarem formalizando-lhes a relação, formalização que caracteriza pela troca de bens, isto é, a família do namorado incorreu custos, despesas para obter do bem que ansiava - a Manassa. São longos os depoimentos de Janasse acompanhados de gestos das mãos, do rosto pouco enrugado e do nervosismo. Janasse se lembra com nostalgia as boas relações que as duas famílias usufruíam nessa relação familiar. Se lembra até da multa que teve que pagar (1.100) quando seu filho Bechane, cansado de passar noites junto a Manassa no seu gueru (cabana) acabou perdendo paciência, meteu-se em sexo com a namorada e a virilidade dele violou a virgindade da Manassa. Dessa relação sexual não regrada (antes do casamento), a família da Manassa multou 1.100 à família do Bechane. Janasse teve que adiantar 1.000 à família da Manassa ficando por ultimar os 100 mt. Depois Janasse fala de roupa que sempre comprou para a sua nora. Dá exemplos de capulanas, saias, blusas, e outras despesas que Janasse incorreu para pôr a Manassa limpa, digna e bonita a ponto de ser apreciada por Nhampoca. A adrenalina de Janasse subia ao se lembrar de todo o esforço empreendido para tratar bem a sua nora e o resultado que colheu. Ele invoca tudo o que se lembra de ter feito para a nora. Fala da casa, da esteira, da manta, onde a nora dormia sossegada com Bechane, da comida que comia, do respeito que a família de Bechane fazia a Manassa. Janasse não entende o que mais faltou para a nora tomar a decisão de cometer adultério com o Nhampoca. Janasse em parte lança as culpas para a sua consogra. Para Janasse os pintainhos sempre seguem o caminho da mãe. Se a mãe deixa o seu próprio marido várias vezes para ir ao madindindi dançar, beber e pernoitar lá até ao dia seguinte como é que as crianças que sempre vêem este comportamento como normal e permissível em casa não imitam. Para Janasse, a conduta de Manassa que é reflexo do comportamento da mãe acabou envolvendo três famílias em mau relacionamento; a família de Janasse contra a família de Tupo (pai da Manassa) e contra a família de Chiringa. Chiringa é o pai de Nhampoca e por sinal sobrinho de Janasse. Para Janasse, Manassa tem o mínimo suficiente que tantas outras senhoras locais na condição de nora.
            Janasse fez uma exposição tão psicológica e contagiosa que arrastou consigo a maioria presente a se sentir a favor dele, da sua família e culpabilizar a família de Tupo, pelos desvios da conduta localmente aceite, atitudes que segundo Janasse e muitos aí presentes caracterizam os comportamentos da Manassa e sua mãe Nhandi. Fiquei impressionado ao ver longas narrações, todas sequenciadas e acompanhadas com muito critério sem recurso a papel de cábula.
            A passividade de Tupo não encontra acomodação neste ambiente. Muitos ficaram surpreendidos com o comportamento de Tupo, abertamente acusado de ter sido djessuado (metido na garrafa). Passa-se a palavra ao Tupo e este como que criticando os que bebem álcool, avança: Eu não bebo. Nunca ninguém me viu em alguma casa onde se bebe hálua, cabanga ou nipa. Fico em minha casa, vou à machamba. Nesse dia, que era dia 12 de Outubro, vi meu genro passar por minha casa. Ao partir a esposa dele acompanhou-o ao caminho. De regresso ela jantou e saiu para madindindi. Despediu a mãe, a quem sempre tenho dito para controlar as crianças e nunca deixá-las sair de noite. Mas ninguém me ouve em casa. Sempre saem.
            Depois que a filha saiu, seguiu a mãe. Disse que ia trazer a filha. Fiquei a dormir sozinho. Depois ouvi algum barulho na cozinha, era a Nhandi a mexer coisas aí porque já tinha amanhecido e ela acabava de chegar de regresso desde a noite. Foi directinha para a cozinha. Acordei, peguei a minha enxada e fui à machamba. Minutos depois ouvi alguém a chorar em direcção a casa. Era a Manassa. Perguntei à mãe o que se passava com a filha e ela disse me que alguém andou a rasteirar a Manassa. Queria violar-lhe sexualmente. Lembrei a minha esposa das coisas que sempre lhe digo; controlar as crianças e não as deixar sair e ir passear de noite. Perguntei ainda a ela se conhecia o senhor e ela disse-me que era Nhampoca, filho Chiringa. Mandei chamar depois tal Nhampoca e juntamente com a minha filha para perguntar se fizeram sexo e os dois disseram que não. É só isso que sei (Tupo, pai de Manassa). 

Capítulo 35
Tupo evita ser ouvido por sua esposa

            Tupo falava em voz muito baixa, evitava que toda gente ouvisse suas declarações, sobretudo a sua esposa de quem se ele falasse contra ela, Tupo teria as devidas consequências ao regressar para a casa. Da voz muito baixa o auditório sempre reclamou suplicando repetidas vezes que ele aumentasse o estéreo. Por alguns segundos ele consentia, mas logo depois voltava ao seu volume deficiente e perdia, ele também, a paciência com as reclamações. Não aparentava vontade de falar quase nada e só falou pouco por pressão dos outros.

Capítulo 36
Nhazeze depõe

            O juiz Mulombo, protocolo, passou a palavra para a mãe de Bechane dizer algo. Nhazeze seguiu as exposições do marido, o Janasse. Porém, vai mais para frente ao mostrar que Manassa, uma adolescente a caminho dos 14 anos, nunca conseguiria resistir ao Nhampoca, com quase 17 anos, marido de uma senhora que conseguiu através de adultério e pai de uma criança, horas e horas a rebolar no chão até ao amanhecer sem ceder as partes que senhor queria, ele é mais forte do que ela e as declarações mostraram que se tratou de um combino começado desde a troca de bens como os sete copos de cabanga, o pacote de bolacha que em recompensa o senhor receberia o acto sexual. E por cima ela própria foi com o senhor negando o caminho da mãe.

Capítulo 37
Chinanazi, a irmã da adúltera

            Juiz Mulombo passou depois a palavra para Chinanazi, irmã de Manassa. Chinanazi disse que desde os primeiros momentos em que a família Janasse foi para a família de Tupo pedir a Manassa por nora nunca ouviu noizi (do inglês noise?). Esta é a primeira vez em que a relação de Manassa com Bechane trás um noizi que ameaça as boas relações que sempre existiram. A única informação que lhe chegou foi de que sua irmã Manassa wanhengua ndi mwana Chiringa (Manassa foi fodida por filho de Chiringa) informação que lhe surpreendeu e chocou. Ela veio para esta resolução para apurar a veracidade dos factos e mostrar o seu descontentamento pela atitude dos dois Manassa e Nhampoca.

Capítulo 39
Os Juízes tomam a palavra

            Jofrisse, o juiz mais idoso do grupo toma a palavra. Ele não precisa ser dado palavra pelo Mulombo. Há regras sem excepção? Mesmo na estrada tem carros que não são exigidos documentos pelos trânsitos. Só as crianças são exigidas rigorosidade nas normas de conduta localmente padronizadas, os idosos já estão cansados de cumprir, ensinar e corrigi-las aos outros. Jofrisse interpreta o voluntarismo da mãe de Manassa em ir sozinha a correr para a casa do Janasse informar da ocorrência antes de Janasse ouvir de outras pessoas em forma de boato. Para Jofrisse, esta atitude significa muito; ela evitou uma fúria desenfreada de Janasse por um lado, por outro, evitou muita vergonha porque ela própria estava nesse madindindi no dia a pretexto de ir buscar a filha o que indicia ser do conhecimento e até ter bebido o cabanga comprado pelo genro Nhampoca.

Capítulo 40
Há muitas palmas a aplaudir a intervenção do velho juiz
            O velho avança ainda. O facto de Nhandi admitir que viu a faísca de lanterna ao de longe na via que a filha estava a tomar também evidencia que ela consentiu e só as coisas deram erradas porque muita gente acabou sabendo do sucedido. Por que se não, ela não iria deixar sua filha usar um caminho que já evidenciava estranheza para a saúde da filha e fazer-se de despercebida. Antevê-se um conhecimento prévio dela sobre o que ia acontecer para a filha. E se ela tinha ido perseguir a filha como admitiu tomarem caminhos diferentes de regresso para a casa? A esta pergunta Nhandi respondeu que insistiu para a filha ir com ela, mas Manassa retorquiu dizendo que tinha ido sozinha ao madindindi portanto não dependia da companhia da mãe para regressar para a casa. E seguiu o caminho indicado pela faísca da lanterna separando da mãe. Uma sublevação grande insurge-se contra a explicação da Nhandi. As culpas são descarregadas por cima da mãe e da filha. Aqui a razão e a verdade se confundem e se substituem frequentemente. Geralmente quem tem a razão é tido como quem tem a verdade. Então a razão estava por demais evidente, só faltava a Manassa e o Nhampoca admitirem que coitaram. Mas estes insistiam pela negativa que pouco efeito tinha nos adultos e idosos que bem sabem que o adultério, o roubo, a feitiçaria nunca se confessam ao público sem se aplicar coerção nos acusados. E nesta comunidade, este não era o primeiro caso. Já um senhor da área uma vez fez sexo com nora de um outro senhor na casa dessa nora e foram surpreendidos por uma criança. Denunciados, os dois negaram publicamente, quer em casa do chefe, do régulo, mas quando o homem foi torturado, ao quarto tongolo ele já estava a admitir. Quando a mulher que insistia foi levada a polícia, antes de ser dada tongolo ela confessou ter tido sexo com o homem três vezes no mesmo dia.
Capítulo 41
Protesto às análises de Jofrisse

            O tumulto aumenta cada vez mais depois das análises do Jofrisse. Muitas mulheres gritam contra Manassa e sua mãe. As duas são zumbadas por mulheres iguais. Alguns homens reduziam de intensidade para dar espaço as mulheres criticarem-se entre si primeiras. A emoção raivosa das mulheres sobe, sobe e sobe. Comparações não demoraram; umas diziam que conseguiam aguentar três a quatro dias sem fazer sexo com os seus maridos e isso não constituía problemas. Várias eram as perguntas: Questionavam como a Manassa, uma criancinha ainda, não consegue aguentar alguns dias sem fazer sexo. Porquê é que ela, sentido comichão de fazer sexo não continuou na companhia de seu marido com quem poderia satisfazer-se a vontade dentro de uma casa e não debaixo de bananeiras perto de um poço. O barulho era enorme porque todas falavam ao mesmo tempo. Dava aspecto de uma confissão pública como as confissões barulhentas nas missas de muitas igrejas protestantes, ninguém ouvia ninguém, ninguém esperava ninguém. Só Deus podia ouvir a todas ao mesmo tempo e saber fazer juízo da raiva de cada uma e de cada um dos homens impacientes.
            Intervém o grande árbitro, o régulo (régulo significa rei pequeno?). Põe ordem aos dominados por raiva e a seguir Mulombo, juiz, ganhou espaço depois das exposições de todos os três lados, da senhora Manassa, do Nhampoca e do Janasse. Mulombo quis ouvir-se as posições finais do dono da esposa, o senhor Bechane Janasse (um aluno da 5ª classe na escola primária de Mapangapanga cuja idade não ultrapassa os 16 anos) e da própria esposa.  
            Perguntado sobre sua posição final depois do sucedido, Bechane disse que se a esposa fugiu dele e foi se meter com outro homem segundo as declarações feitas e as evidências trazidas então não aceita voltar a tê-la por esposa. Prefere que o Nhampoca continue com ela e só lhe pague 7.000 mt como multa e castigo por ter destruído o seu lar.
Capítulo 42
Castigos corporais são parte integrante da educação local

            Mas antes da decisão, Bechane quer pelo menos bater uma das pessoas, sua esposa Manassa ou sua sogra Nhandi. A resolução pareceu tomar alguma calma e estar-se a chegar a conclusões o que não era verdade. Janasse também se mostra bastante admirado com a passividade das autoridades. Depois de tanto confiar neles era chegado o tempo que Janasse queria ver sua nora e consogra a levarem alguns tongolos.
            Janasse aconselhou o seu filho a não agir agressivamente sozinhos na zona, e esperou que o castigo que a nora e sua mãe mereciam fosse feito publicamente pelas mãos das autoridades. Janasse não quis fazer justiça com as suas próprias mãos sim, mas o desejo de educar, corrigir os erros sociais por meio de porradas, tongolos, torturas corporais para que a pessoa que cometeu erro não volte a repetir estava patente em Janasse e em muitos outros ali presentes. E era inconcebível para Janasse que a resolução estivesse a tomar tanta religiosidade quando desde domingo, 12 de Outubro dia em que se deu o caso, ate ao dia 19 da resolução Janasse e seu filho tiveram paciência de não agredir nem a família da Manassa, nem o Nhampoca, o adúltero. Como é que nessa sessão tão oficial quanto formal as pessoas culpadas não são corrigidas com algum chicote, era novidade e rebaixamento para Janasse. Como é que as pessoas se vão corrigir?
Capítulo 43
O reinício da sessão

            Parecia a estar-se no fim, mas ainda se estava no meio da situação, claro. Depois de todas as evidências trazidas e as análises e conclusões tiradas, do suspiro de Bechane, do pesadelo de Manassa e sua mãe, depois de um ligeiro alívio sentido por Nhampoca a quem se deu razão porque se cria ter sido conquistado pela Manassa e instruído o caminho e o lugar de encontro cai-se numa bética traiçoeira. Invocava-se tongolo para Manassa e sua mãe. A certeza da decisão era mais que evidente. Alguns homens já se voluntariavam para chicotear as duas culpadas e a atmosfera fica tensa, muda-se tudo.
            A seriedade volta a instalar-se no grupo das senhoras diante da decisão de se dar tongolo as duas senhoras, Manassa e sua mãe.
            Meninos foram enviados com moedas de 1 e 2 mt para comprar jus colar cor de laranja vendido numa banca próxima da casa do régulo, nome vulgar pelo qual é conhecido o Jolly jus. Tomava-se e tomava-se o sumo. Era mesmo altura de muitas surpresas.
Capítulo 44
A contribuição do “sumo”

            O sumo é vendido em vasilhames de volumes diferentes sendo os mais frequentes aqueles de 275 ml nos quais originalmente vêm as bebidas secas de álcool puro-vulgos tchacutchenas. Outros vasilhames são aqueles que originalmente aparecem com o vinho tinto. De volume, os vasilhames de vinho tinto são de 500 ml perfazendo uma diferença de 225 ml a mais relativamente aos vasilhames de tchacutchenas. Penso que os preços de compra de sumo posto nesses dois tipos de recipientes eram diferentes, mas evitei consultar para não embaraçar. O sumo trouxe uma nova maneira de ver o problema. Aliás, Jofrisse, secretamente depois de consentido pelo régulo, misturou o sumo com a nipa que Janasse lhe havia oferecido horas antes. Fizeram tudo por tudo para que eu não visse o laboratório deles aí na varanda da matchessa onde misturaram o sumo com a nipa. De tempos a tempos Jofrisse saia para casa de banho alegando ir fazer necessidade menor, na verdade ia meter alguns golos da nova mistura. Via-se depois pela dinâmica que passou a assumir. Já não sentia pudor; falava do nsutu (sexo) de mulheres e de homens sem o mínimo de hesitação. Depois que o sumo normal/anormal desceu as gargantas de alguns, a lógica do assunto conheceu uma viragem inesperada. Já não eram as conclusões induzidas à luz das explanações, os tongolos, nem as experiências acumuladas na resolução de problemas típicos. Era a presença de testemunhas que o efeito do “jus cola” trouxe. Mesmo Marissane Nkonde que abertamente disse que só bebia depois de obter a permissão dos seus espíritos, bebeu a mistura Nipa com Sumo. Tomou sem consultar os seus espíritos. Talvez porque era pouco e não o poria embriagado. Então urge clarificar aqui que beber para Marissane Nkonde é sinónimo de embriaguez. Se a pessoa não ficar embriagada então não bebeu, só provou e provar também precisa de obter permissão dos espíritos?

Capítulo 45
Os polícias locais

            Então procuram-se os cabos da terra para irem às casas das testemunhas chamá-las para vir dizer o que viram no dia. Em analepses e prolepses a sessão não parou só alternou os tópicos de acordo com as circunstâncias. O sol era como se dizia fabricante de chuvas; não consentia a nenhum atrevido que se ousasse sair de uma sombra qualquer. A injustiça do sol era enorme. Só admitia os vivos a seguirem a sua vontade desprezando os seus esforços como certos regimes políticos do mundo que não se compadecem com os seus politizandos.

Capítulo 46
Ndi tsoca Manassa, ndi tsoca!
            Tsoca (azar) era gritado pela maioria enquanto o coitado Cabo da Terra, único que esteve presente no dia, galgava debaixo do inclemente sol, a busca das testemunhas. Ndi tsoca Manassa, ndi tsoca Manassa, pana tungarakuri ndi tsoca (é azar Manassa, é azar Manassa, com a tua idade é azar) gritavam quase todos excepto a família da Manassa que, como qualquer familiar haveria de estar sempre a favor da sua irmã por mais culpada que ela fosse.

Capítulo 47
Continua o interrogatório
 Jofrisse pergunta a Manassa
Jofrisse: Na condição em que estás Manassa, poderás ter coragem de cortar a galinha de mabatiro (casamento)?
Manassa: Sim, porquê não?
Jofrisse: Tens coragem de servir uma perna da galinha e um pedaço de xima a seu pai?
Manassa: Vou servir.
Jofrisse: E vais servir à sua mãe uma asa de galinha e um pedaço de xima?
Manassa: Vou servir.
Jofrisse: Manassa, cortar galinha com faca significa cortar seus pais com faca. O sangue que escorre é o próprio sangue de seus pais. Se tiveres tido alguma relação sexual antes do seu marido ou depois dele com um outro homem e insistires em cortar a galinha e servir aos seus pais vais matá-los. Eles apanharão imediatamente uma doença da qual não vão poder sobreviver. 
Manassa: (Humildemente e com indicação de perceber o significado de cortar a galinha aceita) Hei-de cortar e servir aos meus pais porque nunca fiz o que me dizem. (O seu vigor preludia uma derrota, mas o esforço dela é provar que realmente não teve relação sexual com Nhampoca Chiringa nem com qualquer outro jovem antes do Bechane).

Capítulo 48
O primeiro acto sexual omisso pode implicar a morte dos pais

            Como se pode perceber das palavras do sekuru Jofrisse, cortar a galinha e servi-la aos pais não é algo simples por aqui. Primeiro era preciso que o jovem e a jovem nunca tivessem tido  nenhuma relação sexual extra com outros parceiros fora da relação formal e espiada pelos sekurus e mbuias. Depois, o assunto começou a cair em desuso na parte masculina; já não se houve falar da virgindade masculina nestes dias por aqui, talvez assume-se. Porém, para a menina, esta sim. Deve ser encontrada virgem. E procura-se as madrinhas (mbuias) da família do jovem e da jovem para levarem a menina ao mato, despi-la por completo e inspeccionar se os seus órgãos genitais já conheceram homem ou ainda. Processo localmente chamado por kuchiza.
            Um casamento que não segue os trames usuais, pela impaciência dos noivos em passar por todos os passos tradicionais antes do primeiro acto sexual formal, não dispensa a necessidade da virgindade menina nesse acto sexual informal com o seu futuro marido. E tal acto informal, que não espera cumprir com todos os passos costumeiros, é sempre sancionado com uma multa em dinheiro superior ao que normalmente o jovem ou a sua família iria pagar para levar a noiva. Neste caso, para confirmar se ela era ou não virgem torna-se difícil para as mbuias deixando-se ao critério da jovem merecer confiança, cuja traição traz consequências negativas para os pais dela conforme as descrições de sekuru Jofrisse. Deve ser o marido a inaugurar a pureza da esposa para o mabatiro (casamento) ter o verdadeiro peso como prova máxima do valor da virgindade por estas partes da Gorongosa.
A nyamankunda (donzela) pode salvar os pais se confessar a verdade
            Caso a nyamankunda tenha tido alguma relação sexual com outro homem e esconder aos seus pais acusando que a virgindade/pureza dela foi retirada pelo homem que tiver apontado como seu marido actual, ao servir a galinha e pedaço de massa aos pais na cerimónia de mabatiro, os pais depois de comerem, contraem uma doença forte que os mata. Só escapam da morte caso ela assumir a vergonha e confessar a verdade para que os pais sejam tratados. Por isso mesmo, o corte da galinha de mabatiro não é algo banal. Mabatiro é uma das cerimónias/rituais mais importantes durante a festa de casamento aqui em Nhauliri.

Capítulo 49
Sessões longas são sempre acompanhadas com “cafés” em Nhauliri

            Vive-se um ambiente de menos complexos depois de alguns dignitários sentirem-se já refrescados e motivados pelo “sumo” e o paipi constante. Do paipi todos sentiam o efeito porque se fumava mesmo dentro da matchessa - tribunal. O fumo espreguiçante deambulava por todo lado escapando-se entre as pessoas, as mil janelas em todas as alas e mesmo do teto cónico coberto de colmo. Não havia formas de evitar inalar aquele “café” público entre os presentes e mesmo as crianças, tinha-se só um café desculpável - os sumos.
            Fala-se um pouco de tudo e da vida local sem escrúpulos. Por exemplo, Marissane Nkonde, o homem que não bebe sem antes obter permissão dos seus espíritos porque se contraria a vontade deles poderá não tolerar mazio à maneira dos zimbabweanos, fala da bumbu (pubis) de uma mulher e a mão de um homem quando estão para fazer sexo. Para ele e para a maioria aí presente, Nhampoca já mediu o sexo da Manassa. Ao ponto de tirar seu calção e ficar de biquini e ainda a lutar com a menina para wanhengue (copular), ele teve tempo para roçar a Manassa e pegar a bumbu dela.
            Jofrisse enfatiza o raciocínio de Marissane Nkonde e muitos dos sekurus aí aplaudem mesclando-se em sentimentos de chisumbari e não (pudor ou não). Jofrisse aumenta; Nhampoca já tem uma imagem clara da bumbu da Manassa. Assim que ele está sentado aí no banco, ele consegue imaginar o corpo e o sexo dela que andou a pegar com a mão. Jofrisse vai mais adiante ao dizer que mesmo a Manassa também tem uma imagem do sexo do rapaz que esteve fora dos calções a dançar de baixo para cima na sua posição mais avançada para um ataque.
            Portanto, os dois, Nhampoca e Manassa, mediram-se e conseguem imaginar-se sexualmente aqui sentados e mesmo quando se vêm na estrada cada um na sua vida. Os sekurus não têm dúvidas disso porque qualquer homem antes de ter alguma relação amorosa com uma mulher primeiro começa por apalpar, roçar os órgãos genitais dela usando a mão, aproxima-se bem perto da mulher e dá tempo para a mulher também sentir a virilidade do sexo dele. Enquanto os sekurus semi-ajustados pelo “sumo” vão confessando os seus truques, as mbuias, como que confirmando a experiência, umas contorcem suas entranhas de risos outras inclinam as cabeças por chisumbar dos garotos ai presentes. A atitude das mulheres só atiça os sekurus a expor mais os segredos ocultos pelas noites. Eles asseguram-se que mesmo os que por cultura, não comem sem colher, garfo, faca, para comer uma mulher esquecem-se daqueles instrumentos e servem-se com a mão. Tal mão que tem muitas funções entre as quais medir a bumbu da mulher ao mesmo tempo excita o aquecimento da máquina do homem - o mbolo (pénis). O papel da mão da mulher aqui não é invocado. Talvez não tem função nesta área senão nas actividades rotineiras como capinar, buscar lenha, água, pegar na vassoura, dar banho as crianças! E se Nhampoca ficou tanto tempo nu junto à Manassa quem dúvida se ele pegou e mediu o sexo dela enquanto ela também teve tempo para medir o dele mesmo não tendo consumado o acto. A maioria disfarçava engasgando-se com risos em ambos lados (o das mulheres e dos homens). Falar da vida sexual é tema muito forte, bem-vindo quando se tem “sumo” na cabaça, mas não só, mesmo nas salas de aulas o tema da sexualidade e reprodução por estas bandas sempre motivou a muitos alunos.

Capítulo 50
Onde ficam as forças locais estranhas ao comportamento humano normal?

            Em assuntos complicados como estes, os nomes de feiticeiros, gambas e n´fukuas não faltam. Sekuru Fungai, o terceiro juiz presente naquele dia, fala dos assuntos enquanto se espera pela chegada das testemunhas. Para ele, muitas vezes as pessoas da povoação pensam que os gambas só ficam em adultos porque foram estes que durante as guerras andaram a matar muita gente e soldados inocentes. A verdade às vezes contradiz.




Capítulo 51
Nhampoca e gamba

            Fungai continua a liderar a conversa das forças terríveis localmente; Nhampoca, por exemplo, tem o espírito de gamba. É gamba que provoca problemas, faz com que Nhampoca ande sempre atrás de chicala (leão/sinal de morte), isto é, atrás das mulheres de donos o que lhe cria problemas constantes e pode, um dia, vir a levar-lhe a morte. Basta que um dos donos das mulheres que ele anda a adulterar o encontre em flagrante delito para lhe eliminar fisicamente ali. E matando-o nessas condições resultam em n´fukua (espírito de um morto que vem vingar-se contra a família de quem o matou quando podia ter outra solução diferente como pagar, por exemplo).
            Às vezes, os pais sofrem com problemas que seus filhos sempre provocam e costuma-se pensar que os próprios pais é que têm o espírito de gamba. Mesmo consultando os curandeiros, estes sempre correm a dizer que os pais é que têm gamba, mas estamos a ver que os filhos também têm gamba. Nesta povoação a regra é: cada um deve ter medo (respeito) da mulher de outro. Mesmo durante as guerras, os militares que vinham para cá tinham medo das nossas mulheres. Bastava que uma mulher dissesse a um militar atrevido que se lhe obrigasse a fazer o que ela não quer, ela depois iria informar ao comandante dele. Essas palavras amedrontavam suficiente para aquele militar abandonar a ideia de adulterar a mulher, partilhou sekuru Fungai. Sekuru Fungai também tinha saboreado um pouco de álcool e aproveitou do ambiente para partilhar a sua experiência o profundo trauma do tempo de guerras. Deixava antever nas suas palavras a profunda humilhação, violação de direitos básicos, submissão e passividade típicos de quem não pôde contradizer nada durante muito tempo e acabou assumindo o comportamento como normal.

Capítulo 52
“Chega daqui a pouco” e “é aqui perto” traiem os hóspedes

            O tempo de espera é maior e esperar aqui não é assunto. O tempo usa-se diferentemente dos outros lugares. O mesmo acontece quando um local diz ao hóspede é aqui perto. Nunca se deixar levar pelo sentido literal desses termos. Se é para esperar por alguém serão horas e horas antes da pessoa chegar. E se é para andar a pé até ao lugar tido por é aqui perto tenha paciência pois pode andar horas a fio antes de chegar ao destino. Assim, são muitas palavras usadas na cidade, que no campo sofrem várias alterações semânticas, morfológicas, fonéticas, etc. E nesta sessão de julgamento, algumas palavras dão testemunho de variações.
             Esperou-se muito tempo pela chegada das pessoas para iniciar a sessão, agora espera-se horas pela chegada das testemunhas. E aproveita-se o tempo para partilhar várias experiências acumuladas pelos sekurus, criticar alguns comportamentos marginais num ambiente de muito humor e festa. De pouco a pouco, a experiência vai sendo transmitida aos mais novos acreditados ai, primeiro com a missão de ir sempre trazer uma lenha a arder no extremo, fogo que serve para acender os paipis. Depois vão buscando água, comprar sumo numa banca vizinha conforme o pedido. Em troca, as crianças vão descobrindo os segredos que os esperam quando adultos. O ambiente só é tenso quando se está a resolver o conflito, fora do qual, todos conversam muito à vontade como se não tivessem grandes atritos.



Capítulo 53
Quem é a próxima vítima, enquanto as testemunhas demoram-se a chegar?

            Tudo anda ritmicamente equilibrado. Não só se critica, corrige uma pessoa cujo comportamento tende à marginalidade, mas sim a todos identificados como deslocados quando o tempo admite como era o caso. Virou-se então para Tupo, pai da Manassa. Era troçado por muitos e muitas pela extrema passividade e dominado pela esposa. Tupo anda a deixar sempre sua esposa sair de noite enquanto ele fica a dormir sozinho, feito de guarda da casa. A Nhandi vai sempre para onde houver bebida, madindindi (dança) ou qualquer movimento e volta tarde ou no dia seguinte e Tupo nunca consegue reagir e corrigir este comportamento de sua esposa. Sua esposa faz e desfaz em casa e manda em tudo enquanto Tupo fica assistente passivo. É aconselhado pelos seus acusadores a acordar pelo menos um pouco para poder reagir. Advertem-no que a esposa pode andar a meter-se sexualmente com homens oportunistas uma embriagada. Os homens que lhe pagam bebidas não são familiares dela e não podem gastar seu dinheiro de graça sempre a pagar para ela. Concorda-se em ambos lados que nenhum homem poderia estar a embebedar a Nhandi durante as noites nas cabangas e háluas sem depois exigir compensação pelos gastos. Tupo tem que mudar porque para além da sua esposa, já a filha está a entrar no ritmo da mãe por causa da tolerância exagerada dele. Tupo é zombado. Os outros querem que ele seja mais activo, decisivo, bom chefe de família e da casa. Os que bem o conhecem (sobretudo seus vizinhos) dizem que ele está a evitar falar do comportamento da esposa porque de regresso à casa poderá ter muitas represálias da esposa algumas das quais lhe implicarão mesmo a privação da comida. Contra toda a algazarra, Tupo insiste que só falará o que viu e nada do que ouviu. O público lhe zomba! Como é alguém que fica sempre em casa, enquanto o resto da família, dos vizinhos, do mundo vai passear durante os dias e às vezes nas noites, consegue ver o que se passa pelo mundo fora? Que meio de comunicação ele tem que o liga ao mundo, aos acontecimentos, às actualidades dentro do seu quintal sozinho e em Nhauliri? Ele tem pouca possibilidade de poder ver o que vai acontecendo pelo mundo fora se ele não sair de casa e envolver-se, socializar-se reiteram os zombadores de Tupo. O próprio Tupo acabara de confessar que nunca é visto em bebedeiras que são lugares e momentos de grandes convívios, troca de experiência através de conversas várias entre os membros da povoação posicionamento que deu mais suporte aos seus opositores acenderem-se contra o Tupo.

Capítulo 54
O régulo Marcelino Sadjunjira desperta-me muita atenção

            Marcelino Manuel Sadjunjira é um régulo de personalidade bastante curiosa e marcadamente diferente dos outros régulos da região, calmamente, foi aprendendo com o seu povo, através das histórias e das lições da vida. Ele também tomara um pouco de “sumo”, mas isso não alterou grandemente o seu estado de espírito. Manteve-se bastante controlado, sério mas não rugoso, sentado no meio, mas bem no meio da sua gente, sem tomar qualquer posição de destaque. Onde ele estava sentado não permitia a nenhum hóspede identificar o grande chefe, salvo se o conhecesse pela cara. A sua ausência sábia nos mil interrogatórios, na abertura da sessão e em todos os malabarismos e filosofia local só aumentaram a minha curiosidade e quebraram a rotina que trazia depois de umas dúzias de encontros com outros régulos do sul do Vale do Rift. Não se tratava, por acaso, do primeiro encontro com este régulo. Mais de sete vezes trabalhámos juntos em outros assuntos. Todavia, tratava-se da primeira vez que eu o via num dos actos mais importantes na vida de um regulado – a resolução de conflitos sociais emergentes.

            A profunda democracia deste régulo, para mim, foi provada pela coragem que seus elementos manifestaram: não o separaram do grupo nem o destacaram (que é uma forma de discriminação implícita que muitos líderes adoram). Partilharam com ele o assento quando já não havia mais bancos. Assumiram a resolução comum do caso só pedindo-lhe permissão antes de cada um expor, portanto não lhe faltaram respeito mesmo por estarem sempre com ele e lado a lado até trocando com ele o copo único no qual o “sumo” ia passando de mão em mão, etc. Para os mais informados em matéria social, o comportamento de Marcelino Manuel Sadjunjira significa mais do que posso tentar descrever aqui. Ele não desconfia dos seus elementos, pelo contrário, deu-se o trabalho de descobrir as potencialidades de cada um na actuação social, atribuindo assim as tarefas. A presença dele consola os elementos, mas não os substitui, corrige-os com muita subtileza sem se fazer perceber, falando só quando necessário. E ainda, sempre que ele intervém (das poucas vezes, claro) todos prestam sozinhos muita atenção sem esforços aparentes e nem se quer deixam transparecer algum cansaço. Poucos líderes se sentem tão iguais ao seu povo, sem olhar para as caras habituais, à maneira deste líder.


Capítulo 55
E eu aqui sentado no grupo!

            Senti-me pequeno e humilhado, discriminado ou segregado porque a minha ambivalência (africano que gatafunha o alfabeto que não é africano) obrigava a que os meus pais ali assumissem que eu era marginal, sentado numa cadeira mais segura, reparado só quando estivesse a anotar no papel algo que não sabiam e que constitui o que hoje me lembra do dia. Nunca ninguém do grupo ousou reparar-me na cara enquanto ergui a cabeça, reparavam sempre no vazio. Mas bastava que eu estivesse a rabiscar no papel para muitos aproveitarem-me. Isso marginalizava-me, punha-me à parte, comportamento que, se me dessem espaço, humildemente revelava-lhes que perdi memória para gravar tudo como os outros ai faziam, pedia que me integrassem mais como o régulo Marcelino, muito no meio deles física e psicologicamente. Marcelino Manuel é mais do que posso descrever nestas páginas. Mesmo como régulo, a autoridade máxima da região, não se pretende o actor/inquiridor principal, dá espaço aos outros e sem preconceitos. E porque ninguém é Deus ele acertadamente intervia. Cada um naquele lugar tinha uma sua parte nos outros e dava-os espaço para o complementarem.

Capítulo 56
A crise dos costumes locais era o tema focal

            A partilha de experiências de vida continua enquanto se espera pela chegada das testemunhas. Marissane Nkonde entra em diálogo com Jofrisse. - Sekuru, também há muito tempo havia isso de homens dormir com mulheres de outros? - Muito do que acontece agora também acontecia no tempo passado, mas não com muita frequência como agora e era tudo muito camuflado. Muitos não chegavam a saber porque havia muito segredo. - Como é que acontecia e as pessoas da povoação não chegavam saber então? - Por exemplo, há o que se chamava de madjulira. Madjulira era uma casa como um gueru (cubata) construída só para meninas nhamankunda (donzelas). De noite, um homem ia nesse gueru dormir com as meninas e as “descabaçava”. Isso acontecia porque nessa altura as meninas esperavam por muito tempo antes de serem casadas. Chegavam à fase de mulheres grandes já com as mamas todas caídas e para se satisfazerem caíam nessa tentação. - Depois o que acontecia se viesse um homem para casar com uma das nhamankunda já descabaçada? - Só Bechane, as mulheres têm muitos segredos para aldrabar os homens. Sabiam tratar os seus corpos a ponto do homem não descobrir se ela já tinha sido descabaçada. Recebiam todas as lições da vida sexual e como servir o marido antes de se casarem. Ao ser casada, ela já sabia fingir-se de virgem mesmo que tivesse perdido a virgindade no madjulira. Nessa altura, nenhum jovem fazia sexo com uma mulher mais velha, podia contrair rukuru. Rukuru é uma doença que só era apanhada por jovens que se metiam com senhoras mais velhas e morriam dessa doença se não confessassem aos seus sekurus para rapidamente serem tratados. – Então, como mudou para passarmos a mandar casar meninas com 10,11 e12 anos, agora? - Tudo começou quando os brancos chegaram e começaram com o mussoco (imposto no tempo colonial). Muitos pais deviam vender suas filhas para conseguir dinheiro para pagar o mussoco. Mesmo o hábito de ter muitas mulheres foi acelerado nesse período. Era para produzirem muito algodão que o marido vendia para conseguir dinheiro para pagar o mussoco, e pouco a pouco estas práticas começaram a tornar-se costume nas pessoas.

Capítulo 57
Cada sekuru argumenta à sua maneira sobre os motivos da crise cultural local

            Falando ainda sobre a crise de hábitos, costumes e maneiras de viver locais enfatizando as respostas de sekuru Jofrisse, o sekuru Fungai, um dos juízes, fala de algumas mudanças na maneira de viver depois colonização: - Depois da colonização muitos saíram dos lugares onde nasceram e foram viver noutras partes. Lá, eles e elas, sem o acompanhamento de seus pais e dos mais velhos, construíram suas casas, casaram-se e aderiram a outros conselhos e formas de viver diferentes da tradição dos seus antepassados. Quando os pais visitam as casas dos filhos já não têm como ensinar alguém que já formou seu lar e tem outro estilo de vida. Só pode dizer pequenas coisas se o próprio filho pedir explicação. Assim se formam novas famílias que não sabem o estilo de vida das suas raízes. Vai-se vivendo em dois mundos diferentes e o único momento comum é quando há visitas. Não há um espaço de convívio capaz de unir as duas concepções de vida. E as guerras também contribuíram porque misturaram pessoas de diferentes usos e costumes nas mesmas zonas.

Capítulo 58
O policiamento comunitário limita a mobilidade de pessoas do interior para o centro urbano
            Nesse ambiente de conversas estimuladas pelo sumo os temas se multiplicam. Fala-se de doenças e analisam-se os procedimentos antigos e actuais diante de um doente. Antigamente, era hábito quando alguém caísse doente, os outros membros da família uniam-se, imaginavam as razões e buscavam as soluções em conjunto.

            Para o juiz Fungai, actualmente quando se tem um doente só se corre a levar ao hospital. Às vezes nem se comunica aos outros membros da família. Se o doente perde a vida, vai-se a enterrar ou os hospitais enterram sozinhos os restos mortais em cemitérios não familiares. Enterra-se assim em lugar diferente daquele onde os seus antepassados repousam ficando um membro perdido. Essa prática torna o pita-kufa e o ntsanganiko (cerimónia e complicação relacionada com o não cumprimento daquela cerimónia quando alguém perde a vida numa família) difíceis de serem seguidos propriamente. Do incumprimento das cerimónias, mais tarde, tem surgido doenças complicadas difíceis de entender e tratar no hospital.

            Como que dando tempo ao Fungai para repensar em mais experiências, Jofrisse arranca a palavra do outro e põe-se a aconselhar a camada jovem aí presente. Para ele, os jovens devem tentar conciliar as duas realidades: as vivências tipicamente locais e as novas formas de conceber a vida e o mundo. Insiste que nunca se deve recusar as formas costumeiras, habituais por completo apegando-se unicamente a formas novas de viver o que considera como perder identidade e desprezo da própria condição que fez crescer.

Capítulo 59
A noção de amigo para Jofrisse

            Jofrisse diz que é preciso ter um amigo muito amigo e outros menos amigos, graduar a amizade. De todos tira-se lições, mas do amigo muito amigo tira-se as grandes lições para a vida.

Capítulo 60
Fungai volta a retoma seu tema

Fungai recupera o tema anterior (a origem das mudanças culturais) e readquire o direito a palavra.
Acredita que as guerras incitaram várias misturas entre culturas diferentes e aceleraram as desordens e originaram culturas novas. No tempo de guerras, sobretudo a última guerra de 16 anos, muitos militares eram adolescentes e jovens raptados. Depois de se encorajarem pela suruma, os militares iam para as zonas ameaçar os residentes. Não olhavam para a idade a intimidar, dirigiam-se a adultos e velhos para usurpar bens imperando, insultando, batendo-os. Os idosos viam-se humilhados, violados, agredidos por crianças. Vivia-se  numa insegurança completa e um receio permanente que obrigou as pessoas a adquirirem comportamentos novos. Depois eram pessoas de fora que, fugiam de umas partes para outras à procura de segurança. As mudanças forçados dos seus madembes (onde nasceram e sempre viveram) para zonas desconhecidas, as necessidades de se adaptarem para sobreviver motivaram muitas mudanças nos hábitos, costumes, usos típicos, principalmente aqui na Serra. Muitas regras, costumes, hábito não eram observados. A vida era espontânea sem muito critério. As pessoas habituaram-se por que a guerra prolongou por muitos anos. O comportamento espontâneo passou a ser nova forma de viver e assim foi durante muito anos. Terminada a guerra, algumas pessoas já tinham morrido. Os sobreviventes voltaram para os seus madembes e tiveram que reactivar os costumes, as tradições de que se lembravam. Alguns até se esqueciam dos lugares onde seus antepassados tinham sido enterrados. Era começar tudo de novo e o mato já tomara conta de muitos lugares. Os regressados dos esconderijos, já culturalmente misturados com os hábitos de uma vida sem critério levada durante muitos anos e todas as crises associadas a essa guerra vivem muita ambiguidade cultural e trauma. Os búzios também contribuíram para alterar o psíquico dessas pessoas no pós-guerra.
Capítulo 61
Dezasseis anos depois, ainda existem os efeitos da guerra sekuru?

            Juiz Mulombo e juiz Fungai põem-se a trocar algumas impressões da mudança cultural. Mulombo: Sekuru Fungai, Manassa não sofreu com a guerra e nem sequer a viu! Muitos riem-se. Fungai: Eeeeh, quer dizer...! Jofrisse socorre Fungai, e responde alegando que o comportamento quer de Manassa quer de Nhampoca é fruto de influência de más amigas e amigos, dos filmes pornográficos, das danças centradas nos movimentos do rabo que excita os jovens. As danças na tradição local enfatizavam mais movimentos de pernas e não de ancas e rabos acompanhados com roupa curta e apertada que para além de desenhar o corpo da menina, deixa o umbigo fora e muita fisionomia delas ao dispor dos jovens. A guerra não é a única que causou as mudanças críticas, mas contribuiu muito para as crises hoje vividas aqui na zona.

Capítulo 62
A conversa continua com o Jofrisse na liderança

Também as crianças de hoje andam muito à procura de bens materiais sem muito esforço e querem experimentar tudo o que existe. Manassa, por exemplo, quis usufruir de cabanda e bolachas enquanto não tinha dinheiro suficiente. Recorre ao seu corpo para trocar com o que deseja obter. As meninas de hoje, por falta de medo saem a ganhar usando seus próprios corpos como forma de obter bens diante de vários homens. Fazendo o sexo primeiro elas se satisfazem e depois recebem bens que querem. Nessa vantagem, elas vão cada vez mais criando formas de conquistar mais homens através de roupa apertada e curta que inclinando deixam ver roupa interior. O governo também é mencionado como grande promotor de mudanças culturais. Abre estradas, constrói escolas e postos médicos e promove um estilo de vida baseado no acumular de bens materiais. Actualmente as crianças não dão dinheiro aos seus pais para guardarem e nem sequer o mostram. Andam à procura de conseguir os bens hoje espalhados em diferentes partes. As nossas crianças sofrem muito com este tipo de vida, roubam, adulteram-se, violam-se, complicam-se porque estas formas de vida são admitidas. Dá-se exemplo do policiamento comunitário. Fungai diz que já é muito difícil ir-se visitar alguém que esteja doente no hospital da vila da Gorongosa por medo de polícias comunitários. Quando vêem um sekuru a vir ao longe, vestido à maneira do campo, logo correm para ele. Primeiro exigem B.I., que bem sabem que o sekuru não tem. Obrigam o sekuru já cansado a acompanhá-los até ao lugar onde está o chefe deles. O chefe diz a mesma coisa, primeiro B.I (bilhete de identidade). A seguir pedem cigarro (dinheiro). Se entregar 5 mt não querem. Sempre querem muito dinheiro para depois o dividirem entre eles. Se o sekuru não tiver tal valor são horas e horas com eles. Ao soltá-lo ainda dizem ao sekuru que não pode continuar a andar sem documento. Como é possível aconselhar esses jovens que nem tem pena de seus sekurus?

Capítulo 63
E as testemunhas?

            Volta-se para a conversa das testemunhas que demoravam tanto a chegar. Admite-se a possibilidade de terem dificuldade em vir testemunhar. Mas tem-se a certeza de que o Cabo de Terra que os foi buscar é forte e não os vai deixar. Não é como a mãe de Manassa que, quando foi buscar sua filha voltou sem ela! Ri-se folgadamente da comparação feita. Eram os sekurus e o Marissane Nkonde. A Manassa que tanto tempo esteve sentada na matchessa a ouvir as conversas levantou-se depois da comparação. Saiu da matchessa para se juntar a um grupo de senhoras que se tinha retirado para uma outra sombra na varanda da casa do régulo. Os sekurus lideravam as lições na matchessa, aliás, era mesmo preciso muita coragem para aturar algumas das lições naquela sala. Nem intervalo tinham. Só saiam os “professores” para darem alguns goles de “sumo” e voltarem à recarga com as aulas. Vários temas tratados ao mesmo tempo e depositados unicamente na memória dos presentes. Eu era o único a rabiscar o que conseguisse reter. Também falhei tantas notas importantes dos vários tópicos da longa aula. A prática de roubar, mazio (provocação), ser mulherengo são motivos para alguém ser sempre mal falado e mal desejado em Nhauliri. A povoação tem respostas apropriadas para cada um que pratica estas acções dentro das famílias. Para um ladrão, por exemplo, logo que o vêem aproximar-se das casas os donos metem dentro das suas casas tudo de interessante que tiverem fora e encostam a porta para o ladrão não ver nada de útil. E logo que o ladrão chega não é bem acolhido, as respostas que lhe dão são muito despachantes para que o homem se vá. Se for alguém que gosta de conquistar mulheres dos outros logo que é visto a chegar cada um avisa sua mulher. É mal vindo às casas dos casados porque provoca divórcios. Cada homem fica atento a controlar os movimentos do homem e as direcções que toma. Se coincidir com o caminho já tomado por algumas mulheres será perseguido pelo dono das mulheres até se confirmar que não ia à caça delas. Para alguém que gosta de fazer mazio, logo que é visto aproximar-se do grupo dos que estiverem a beber e a conviver, a bebida é imediatamente escondida. Ao chegar, só vai encontrar a que estiver nos copos. Todos disfarçam, como não existisse mais bebida até o homem de mazio desistir. Atrás dele tiram a bebida que tinham escondido e começam a beber à vontade. Jofrisse reconhece a importância cada vez maior das autoridades tradicionais e administrativas para a resolução de conflitos sociais sobretudo nestes últimos anos que o número de problemas sociais tende a crescer todos os dias. Diz que há muito tempo o número de residentes era menor e consequentemente os problemas sociais eram menos frequentes, as regras eram mais fáceis de incutir na cabeça das pessoas e as culturas eram semi-fechadas e conseguiam controlar as influências das outras culturas. Actualmente as culturas são ávidas em assimilar modelos externos num ritmo assustador e não conseguem controlar o ritmo do que se recebe de fora com o que se tem dentro. Era preciso recolher todo o nosso saber local e produzi-lo em livro para forçosamente ensinar as nossas crianças nas escolas o estilo de vida tipicamente local e o que vem de fora, de modo a que os alunos não queimem muito tempo a aprender coisas de fora ignorando a sua própria maneira de viver.

Capítulo 64
O Cabo de Terra desponta ao fundo do caminho

            De repente despontam de um dos caminhos que conduzem a casa do régulo quatro homens. Um deles é o Cabo de Terra que foi enviado para chamar as testemunhas. Sentiu-se, como no princípio, antes do início da resolução, uma atmosfera diferente. A incerteza sobre se as testemunhas viriam esqueceu-se. As pessoas que se haviam separado começaram a reunir-se na matchessa, eram os homens. As mulheres ainda continuaram na varanda de uma das casas do régulo à espera de serem novamente chamadas. Os 4 homens chegaram. Antes de entrarem cumpriram com a regra já descrita acima ao chegar-se a casa de alguém. Depois avançaram em direcção à matchessa. Sentaram-se no chão por fora. A sombra da matchessa já se tinha inclinado e estava mais do lado onde os homens decidiram sentar-se. Era ainda na varanda. Saudaram todos ao mesmo tempo e era uma autêntica canção com as vozes todas bem afinadas.     O Cabo de Terra trazia um ramo pequeno na sua mão. É o ramo que usou para medir a profundidade dos dois joelhos de Nhampoca ali no matope (lama) onde ele se ajoelhou tendo a Manassa no meio a limpar o matope com as costas e nuca. O régulo não tardou em perguntar onde as testemunhas ficaram. Estão quase a chegar assegurou o Cabo da Terra. Os outros três homens eram todos irmãos, dois esposos das duas testemunhas que vinham a caminho. Acompanharam as esposas para ouvir se havia alguma implicação muito comprometedora para elas. Enquanto o Cabo da Terra completa a resposta elas também despontam no mesmo caminho em que surgiram os quatro homens. Vinham a toda pressa e seus peitos palpitavam de medo de implicações porque é delas que dependia a continuidade ou descontinuidade do lar da Manassa com Bechane e não só. Alguns gambas poderiam sair caso Janasse não estivesse satisfeito com a resolução. Elas sabiam bem disso. Talvez é mesmo por isso que demoraram muito para chegar porque estavam a se instruir com os seus maridos a melhor maneira de se safarem disso.

Capítulo 65
Quanto custa testemunhar em Nhauliri?

            Testemunhar em Nhauliri custa muito. Às vezes as pessoas preferem manter-se no silêncio que comprometerem-se e arranjarem problemas para si mesmas. Na situação de Manassa, ao invés de serem três famílias em maldade para sempre seriam nesse caso quatro: a família Janasse contra as duas famílias da Manassa e de Nhampoca e a favor das testemunhas. Porém, a família da Manassa estaria muito contra a família das testemunhas e a favor da nova família de Nhampoca que passaria a novo genro à força e a família de Nhampoca estaria contra a família das testemunhas e com vergonha diante da família de Bechane Janasse e a favor da família da nova nora Manassa. As testemunhas sabiam muito bem do perigo que corriam numa povoação onde os gambas chamam pelo n´fukua tendo os curandeiros e feiticeiros a jogarem grande vantagem nisso.
Capítulo 66
Formalidades, formalidades!

            Chegaram e depois das formalidades costumeiras no quintal de alguém os sekurus chamaram-nas para directamente se dirigirem para a matchessa sem lhes dar tempo de se juntarem com as outras senhoras sentadas na varanda. A vontade das senhoras era ir primeiro juntar-se com as outras senhoras sentadas na matchessa e conversar para se situarem, mas os sekurus apoiados nas vozes dos outros homens aí na matchessa gritaram com tanta força que as senhoras ficaram primeiro confusas do que se passava. Ficaram quase cinco minutos inertes ao sol sem entender o que se passava e a hesitar no máximo ir directinho para onde os homens estavam. Mas a sociedade é patriarcal e a mulher por mais que não queira tem que seguir a decisão do homem. Era um dilema autêntico para as duas senhoras. Renderam-se à vontade dos homens. Aproximaram-se da matchessa e ainda permaneceram por alguns segundos de pé ai fora. Jofrisse, Fungai, e o próprio régulo já se agastavam com a renitência das senhoras e todos em uníssono gritaram que as senhoras entrassem e se sentassem mesmo dentro da matchessa. É delas de que se estava a espera para se tomarem as últimas decisões. Entraram e sentaram-se no centro da matchessa. Minutos depois era o juiz Mulombo a mover a máquina como antes. Mulombo quer saber quem foi a primeira senhora a surpreender os adúlteros. Ela apresenta-se. É questionada o que viu e ela conta. - Já tinha amanhecido, quando fui ao poço. Quando cheguei fiquei espantada. Custava-me acreditar no que via. Fui chamar a outra senhora para ajudar. Pensei que fossem duas pessoas a lutar e supus que fossem filhos da casa da outra que fica bem perto do poço. Trouxe a outra para o mesmo lugar. Desta vez já estavam de pé, mas o rapaz tinha seus ainda pendurados numa árvore. Quando nos viu tomou seus calções e desapareceu entre as bananeiras. É a outra senhora que logo a primeira reconheceu a Manassa e consultou o que se passava. Manassa disse que o homem estava a tentar agredi-la. A música ainda tocava. O senhor quando desapareceu tomou caminho do lugar onde o aparelho estava a tocar. Lá ele depois arrumou sua bagagem e apoiado com o seu amigo Mirione se foram embora. Avisamos a Manassa que não íamos falar com ninguém, mas ela disse que não era caso mesmo se falássemos. Mas não dissemos a ninguém. Estranhamos ouvir na povoação tantas pessoas a comentarem do sucedido a agora receber chamada para vir aqui responder como testemunhas. Consultada a outra senhora disse quase mesma coisa que a primeira, nenhuma admitiu ter visto os dois a copularem. A verdade ficava para cada um decidir. A segunda senhora admitiu ser ela quem perguntou a Manassa do que se passava com o homem. As declarações todas são como se vinha falando antes a diferença é que estas senhoras eram tidas de testemunhas. Já que ninguém admitiu abertamente que viu o acto então os juízes e todos os homens aí atentos agradeceram as declarações das duas senhoras. O régulo inquiriu se o tempo que a primeira senhora viu o cenário e saiu a procura de mais testemunhas teria sido suficiente para os amantes ficaram a consumar o acto ao que a senhora se esforçou em não precisar a duração.
Capítulo 67
Conclusão do conflito

            Com as declarações das testemunhas o cenário virou-se completamente. O feitiço ficou definitivamente absolvido. Ninguém quer divorciar ninguém, nem mesmo Janasse evita assumir a decisão para seu filho dono da esposa. Manassa sentiu-se aliviada e quase que agradecia publicamente as duas senhoras pelo tamanho apoio. Aliás, a segunda volta que elas vieram admitiram que encontraram Manassa trajada de suas saias e capulana que quase encobria a sua cara. As culpas viram-se para o rapaz. É tido por agressor, batakwyio, incitador, malandro embora os dois joelhos e a limpeza do lugar indicassem o contrário. Mesmo Janasse pai de Bechane também testemunhou que o lugar mostrou ter sido penteado por alguma acção muito séria. Em fim, não cabia a Janasse decidir. O mais importante disso era evitar-se a vergonha pública. Se as pessoas tidas por testemunhas não admitiram publicamente ter visto a acção in locus então quem mais se pode reclamar ter provas disso. A derrota de Janasse era enorme. Tanta fúria e esforços deitados abaixo, incluindo nipa, mataku akuru (dinheiro que se tira para pagar as nádegas de adultos que se ousaram sentar para escutar e ajudar a resolver o conflito. Depois são os dias e as pessoas envolvidas, a intensidade na qual as pessoas foram mobilizadas. Janasse preferiu retirar-se psicologicamente e deixar que o dono da mulher tome decisão. Janasse não tinha previsto este momento e obviamente não preveniu o filho sobre que passos a tomar quando este fosse o ponto de se chegar. Abdicou-se.       Bechane estava entregue a sua sorte e via-se desprevenido, os outros nos ajudam até certo ponto, depois ficamos nós os próprios para tomar as decisões. Lutou por encontrar outra posição mas o silêncio esperava por ele. Sem bases para provar o contrário e escapar-se da Manassa e sua mãe, Bechane decidiu tomar as palavras das testemunhas. A instrução é importante mas a experiência é acção real. Para Bechane faltou-lhe esta experiência e o experiente Janasse não tinha espaço para conversar secretamente com seu filho e instruí-lo sobre o que dizer naquela circunstância. Então Bechane admitiu continuar com sua esposa já que ninguém abertamente admitiu o que se esperava. O psíquico do Bechane estava muito destruído. Aceita ficar com sua esposa e cobra uma multa de 7.000,00 mt a serem pagos imediatamente aí pelo Nhampoca. Gere-se o cenário. Em princípio todos aceitaram que Nhampoca pagasse os 7.000 mt. Juiz Mulombo lidera de novo a discussão dos dinheiros. Ameaça que o Nhampoca deve sim pagar o valor cobrado pelo dono da senhora. Nhampoca diz que não tem nenhum dinheiro por enquanto.
            O auditório ameaça entregar Nhampoca ao Posto Administrativo de Vunduzi para ser detido até pagar os 7.000 mt. Porém, Nhampoca insiste em dizer que não nenhum dinheiro para pagar. Ouvindo o nome de cadeia ele admite que em uma semana poderá conseguir pelo menos 3.000 mt e entregar como primeira entrada e depois vai lutar para conseguir mais outra parte.
Capítulo 68
Mais interrogatórios

            Janasse questiona ao Nhampoca onde poderá conseguir 3.000 mt. Ele diz que mulher de dono é leão e ninguém vai provocar um leão sem segurança. Tudo aqui se baseia na experiência. Mulombo se lembra que em outras resoluções de conflitos idênticos nunca se cobra tanto dinheiro. Desdobra o valor com vagar por que percebe o estado emocional de Janasse e a vontade que ele tem de cobrar muito dinheiro como forma de punir o infractor Nhampoca. Para Mulombo, Nhampoca não deve ser cobrado tanto dinheiro por que não chegou a consumar o acto. Bechane reduz o valor de 7.000 mt para 3.000 mt. Ainda assim discute-se. O régulo intervém e diz que mesmo 3.000 mt é muito, mas concorda que o malandro (a quem chama de batakwyio) deve para algum dinheiro como castigo para não voltar a cometer mais a mesma indisciplina.
            Claro que Janasse e seu filho são cidadãos sujeitos as leis locais e têm o direito de ser julgados e aceitar as decisões do julgamento. A princípio parecia que todos estavam muito a favor do Janasse e consentiam com a sua situação e humilhação. Todavia, quando decidiram tomar posição transparentes decidiram os dinheiros tendo em conta as condições económicas locais, o estado de desempregado do Nhampoca, embora todas as culpas recaíssem nele. Trataram-no como filho daquela comunidade embora com seus erros.
Capítulo 69
Tudo se negoceia quando há entendimento

            Os juízes, anciãos e o régulo procuram convencer o Bechane para reduzir os montantes estipulados porque ele tem que depois pagar os mataku akuru. Mataku akuru não é dinheiro de multa, é a regra local que compensa o tempo que os sekurus gastaram sacrificando seu fim de semana, convívio, visita a outras pessoas para se dedicarem a resolução do problema de alguém. O dinheiro de mataku akuru cobrado a Nhampoca é de 200 mt. Com este dinheiro os adultos, que até às 15 e 30 não tinham comido nada senão o “sumo”, compram bebidas para depois terem um período de balanço da resolução convivendo juntos.
Capítulo 70
Ainda o sogro com a nora

            Enquanto se discute o valor final Janasse, já que seu filho decidiu continuar com a Manassa, dirige-se a nora: - Minha nora, as testemunhas te ajudaram muito e teu marido voltou a perdoar-te. Tem certeza que há-de ter coragem de cortar galinha com faca e servir a teus pais? - Sim, já que não fiz nada com Nhampoca não tenho receio de cortar a galinha e servir aos meus pais. - Vai-se atrever a matar seus pais com faca? - Estou disposta a cumprir com todas as cerimónias porque não fiz nada. - Promete que vai manter distância quando se encontrar com Nhampoca em qualquer parte? - Sim.         
            Enquanto Janasse ia interrogando sua nora os outros discutiam algum valor a ser tirado por Nhampoca. Este tira - 250 mt. O consenso era que Nhampoca tirasse pelo menos 500 mt naquele momento; valor que muitos têm pago em situações idênticas, defendeu o juiz Mulombo.       Janasse apercebe-se que ficou atrás da discussão em torno dos valores e não concorda que o Nhampoca só tenha que tirar 250. Mulombo intervém para explicar ao Janasse que os 250 mt são só para começar porque o jovem insiste em dizer que não tem dinheiro e precisa de ir procurar. Mulombo assegura ao iola que os outros 250 serão concluídos numa data que o próprio Nhampoca iria declarar por escrito. Então Janasse aceita levar os 250 embora a resmungar que o dinheiro era muito pouco. Sekuru Jofrisse juiz e sogro de Janasse também garante a Janasse que Nhampoca depois teria mesmo que marcar por escrito a data em que acha que vai conseguir ter o dinheiro em falta e terá que fazer a entrega do tal dinheiro formalmente em casa do régulo e a assembleia irá reunir-se para testemunhar tal facto. Depois de aceitar e levar o dinheiro, Janasse insiste com algumas perguntas ao seu filho: - Meu filho é este o dinheiro que mereces depois de terem visto a nu sua esposa? - Depois de muita discussão eu queria pelo menos 3.500 mt a serem pagos pelo Nhampoca. - Como dono, você tem o direito de pedir o dinheiro que acha deve ser pago pela sua esposa violada. Decide? - Ao menos que desse 1.600 mt.
Capítulo 71
A experiência é também importante

            Porém, era tarde esta discussão entre pai e filho. Todos aí já estavam muito claros que o valor a cobrar como de hábito é de 500 mt do qual não podiam ir para mais a frente. Mulombo, o juiz, explica as consequências que o tribunal iria incorrer mais tarde caso deixasse passar um valor muito alto. Será um problema para as autoridades locais mais tarde quando as outras autoridades administrativas se aperceberem que o valor acordado para ser cobrado nessas situações já foi alterado sem o consentimento de toda a máquina governativa local. A autoridade local e responsável em deixar que o infractor seja cobrado um valor mais elevado teria que repor os valores qualquer dia enquanto tal valor terá já sido consumido pela família que o vai receber. Mulombo já esteve em muitas resoluções de problemas similares e reitera que nunca viu cobrar-se mais do que 500 mt. Só se poderia permitir que o infractor pagasse muito mais do que 500 mt se se tivesse confirmado que ele praticou o acto. Porém, todos recusam-se em testemunhar então é inadmissível pela regra cobrar muito mais do que valor habitual. Mulombo falou de tal maneiras que muitos se convenceram pela experiência inclusive o próprio Janasse acabou aconselhando ao seu filho para aceitar os 500 mt estipulados. - Meu filho, desculpe que não gostaria de passar por cima de ti e decidir para ti, mas já que se diz que o valor costumeiro é de 500 mt, eu propunha que aceitasses. Qualquer dia seremos nós também numa situação em que tenhamos que pagar algo por algum problema qualquer. - Você é meu pai e tem mais experiência do que a mim. Se você acha que devo aceitar então eu não tenho nada contra a sua vontade, aceito que ele me pague só os 500 mt na condição jamais ele deverá aproximar minha mulher. O público toca palmas em sinal de simpatia com um rapaz que pelo menos ouve os conselhos do seu pai e não quer fazer nada antes de acumular experiência suficiente para se auto-gerir. Mesmo os sekurus já famintos pelo longo dia sorriam alegremente pela decisão do Bechane.   A seguir discute-se a data que Nhampoca acha que poderá ultimar os 250 mt.
            Perguntado, Nhampoca marca para dia 05 de Novembro. Data que atónita a muitos. Como para dia 05 de Novembro só para pagar 250 mt quando se havia prontificado a pagar 3000 mt depois de uma semana. Nhampoca volta a negociar a data com a sua equipa composta por seu irmão Xadreque, amigo Mirione e esposa do irmão ai presentes. Todos marcam para o dia 05 de Novembro. Xadreque socorreu seu irmão. A decisão de uma semana era uma forma de apaziguar o problema, na verdade, não é muito fácil em pouco tempo alguém conseguir organizar tanto dinheiro aqui onde falta tudo; emprego, negócios, banco, lugares para fazer biscates a fim de se conseguir o dinheiro em muito pouco tempo. Alguém dos sentados fora partilha alguma experiência que teve num dia na resolução de onde teve que se pagar valores altos. Era de alguém que tinha roçado mulher (mulher aqui significa esposa, para além de alguém de sexo feminino). O infractor foi cobrado 3.000 mt há mais de 3 meses atrás que pela dificuldade de conseguir dinheiro aqui só na semana finda é que conseguiu apresentar 150 mt. Parecia ter provocado uma grande piada. Muitos puseram-se a rir da graça e quase coroaram as palavras do juiz Mulombo. Mas a autoridade não percebeu isso como piada.
            Achou que foi uma grande falta de respeito a alguém ter-se prontificado a pagar um montante acordado num período igualmente acordado e não cumprir.

Capítulo 72
A avaliar a atitude local
Para mim, esta atitude da autoridade tradicional local, aparentemente democrática que deixa que o Nhampoca escolha sozinho a data que bem acha estar disposto a pagar não tão santa quanto parece. É mesmo muito séria que o jovem não deve tomar os risos, as conversas como tolerância dos acordos que se vão tomando ao longo da sessão. Faz-me igualmente ver que a decisão se dar tongolo a Manassa e sua mãe não era nenhuma ameaça, mas sim uma verdade que poderia se efectivar caso não surgisse uma posição de se chamar as testemunhas. Mas então aqui as decisões são tomadas assim em ambientes de festas sem muita ameaça na voz, na cara,...!
Capítulo 73
A festa retoma seu lugar

            Pouco depois vivia mais uma festa de risos. Era para Nhampoca escrever a declaração com a data que vai ultimar o dinheiro que resta. É que Nhampoca, de tão esperto em aldrabar mulheres de donos com as músicas do aparelho que anda a tocar nas cabangas, não sabe escrever. Seu DJ, o Mirione, também se recusa a escrever, aparentemente hesita porque já se esqueceu de escrever. Xadreque, o irmão de Nhampoca, também se recusa a escrever a declaração. A conclusão é que talvez perderam lápis na escola muito cedo!
            Discute-se, discute-se e discute-se quem vai escrever. Há um ar pouco sombrio. As recusas são num tom estranho, de negar compromissos caso Nhampoca não venha a pagar o dinheiro que falta alegando não ser ele a escrever a declaração. Mesmo os que sabem escrever hesitam em ajudar porque não querem que amanhã sejam acusados como indivíduos que escreveram a declaração de Nhampoca e tenham que pagar eles. Algo que só pode acontecer em Nhauliri porque independentemente de que escrevesse, o auditório já é testemunha suficiente para que Nhampoca não se esquine de assumir o pagamento. Finalmente chega-se um consenso. O secretário de Nhauliri, Abel Fungai, voluntaria-se a escrever a declaração e Nhampoca aceita finalmente assinar. Enquanto o secretário rabisca no papel o auditório põe-se a aconselhar a Nhandi sobre a conduta que deve assumir como mãe, depois de aceitar da sua filha. Nunca mais deve permitir a Manassa ir passear de noite nem lhe admitir ir ao madindindi. A própria mãe também é educada; nunca abandonar seu marido de noite indo para as bebedeiras e madindindi. Mesmo de dia, Nhandi é aconselhado a controlar sua atitude diante do seu marido. Mulombo, reconhece que pela sua idade jovem nem devia estar a educar uma senhora grande (idosa) como a Nhandi de quase 50 anos, mas por causa da sua má conduta social, obriga a que Mulombo de quase 35 anos se torne num educador da Nhandi. Mulombo vira-se depois para o Nhampoca. Se a tua esposa não basta para ti, quando precisares de mais mulheres para te satisfazeres sexualmente deve procurar entre as divorciadas, solteiras, viúvas que existem tantas nesta povoação. Evita andar a provocar as mulheres dos outros porque é grande problema que um dia te pode levar à morte. Há quem te surpreenda com mulher dele e te catane (de catanar, cortar com canata) aí mesmo. Desta vez escapaste porque não te surpreenderam em flagrante delito, talvez já fosses defunto neste momento. Procura evitar no máximo. Deixa de ser mulherengo para que sejas parte integrante desta povoação. Nós todos te evitamos porque não queremos que andes atrás das nossas mulheres. Ninguém quer que fodam (fazer relação sexual com esposa de alguém) sua mulher, por mais amigo ou irmão que seja.  Lembras de Jualinho e irmão dele? Os dois irmãos separaram-se desde que um deles fodeu a mulher do outro. Até hoje eles vivem em bairros diferentes e nunca se visitam. Achas que é bom assim, dois irmãos viverem separados e acabarem com a familiaridade só por causa de mulher? Deixa de atrair problemas para ti mesmo. Se garantes pagar vais perdendo muito dinheiro e passar a tua vida a pagar problemas com mulheres dos outros. Tu vendes bebidas e bolachas na banca e andas nas cabangas a tocar música. Os homens da zona ao se aperceberem que tens muito dinheiro para andar a pagar mulheres, quando não tiverem caril ou comida nas suas casas podem combinar e enviar suas esposas para onde estás. Basta que tu pegues mamas, roces ou batas mataku (nádegas) delas para os maridos te mandarem pagar. Deixa de ser fonte de rendimento de outras pessoas por má conduta. E nunca andares mais atrás da Manassa nem para outros assuntos nem para cobrar teu dinheiro.
            Outros do grupo advertem ao Nhampoca para não gabar-se na zona de ter tido sexo com Manassa quando publicamente no julgamento ele não admitiu. Se se ouvir que ele segredou a alguém vai se levantar de novo o problema.  Mulombo volta para Manassa: E tu Manassa, aguenta com o teu marido, evita ser puta na tua idade. Evita andar a conquistar homens quando estás casada. Porquê dizes aos outros homens que não estás casada quando estás? Esperas que façam o que? Eles podem até te tentar quando já sabem que estás casada só para te testar e se andas a dizer que não tens marido dás força para que continuem.
Capítulo 74
Oportunismo e busca de motivos

             Xadreque aproveita a sessão para mais uma vez queixar-se de Loiani que lhe prometeu ver alguma coisa. Quer saber do Loiani o que espera ver, mas a plateia apercebe-lhe a intenção; querer arranjar um segundo problema numa altura em que o cansaço é visível nos sekurus. Asseguram ao Xadreque que Loiani referia-se a ver a resolução que já se fez na matchessa.






Capítulo 75
Considerações finais

            Tece-se ainda algumas considerações nesta etapa. Promessas das famílias voltarem ao seu normal, à reconciliação e paz. Decide-se que Manassa vá directamente para a casa do seu marido depois da resolução. As cerimónias que restam ligadas ao casamento deverão ser concluídas enquanto ela está em casa do Bechane para evitar que arranje mais motivos de sair de casa de seus pais para ir passear sempre que precisar de um homem. Janasse promete ir visitar o Chiringa, pai de Nhampoca, e contar-lhe toda a história, a resolução e as conclusões atingidas. Ele espera com esta atitude poder pôr seu sobrinho Chiringa um pouco a vontade pela vergonha que o filho Nhampoca o causou ao meter-se com Manassa, esposa de uma casa familiar e respeitada como a de Janasse.
Nhazeze, mãe de Bechane, dirige-se à sua nora em conselhos - Minha filha mamuna ndi mwana ndoco (o homem é como uma criança), precisa de ser acompanhado. Se você continuar a comportar-se mal, o seu marido vai se lembrar de que és uma puta. Poderá te chamar de puta por pequenas coisas que fores a mostrar como conduta duvidosa e estarem sempre a discutir no vosso lar.
Capítulo 76
Mataku akuru? (Nádegas dos adultos?)

            Intervém Jofrisse: - Quem veio apresentar a queixa é o Janasse. Então deve ser ele mesmo a mostrar a alegria com a resolução. Janasse tira 100 mt em sinal do seu contentamento e põe na tigela plástica de cor vermelha onde Nhampoca antes pôs os 250 mt. Também como os chinelos de Nhampoca, a tigela está escrita made in china. É 100 mt de mataku akuru por parte de Janasse. Os dois lados conflituantes têm a obrigação de tirar o matau akuru depois da resolução de qualquer problema. Pede-se que Nhampoca tire o seu mataku akuru igual ao de Janasse, 100 mt. Nhampoca diz que não tem mais dinheiro, também a sua equipa não tem mais dinheiro. Só tinham trazido os 250 mt. Os sekurus ficam irritados com o jovem. A mbuia Nhansoro voluntaria-se a vender seu djongue (galo) e trazer o mataku akuru que Nhampoca deve pagar. Quer-se saber quando? Porque o dinheiro dos dois lados conflituantes deve se consumir ao mesmo tempo. A mbuia Nhansoro pede pelo menos dois dias para puder vender o djongue no Posto Administrativo e trazer dinheiro. Os sekurus e os juízes decidem guardar o dinheiro de Janasse até que Nhampoca traga o seu. Janasse ri-se do estado paupérrimo de Nhampoca e dos problemas que ele anda a provocar na povoação. Mas as pessoas estão cansadas e anseiam por voltar para suas casas para comer.
Vocabulário
(Termos em xisena da Gorongosa usados no texto e que talvez merecessem uma breve explicação num vocabulário no fim para o leitor estranho a esse idioma)

Batakwyio        [termo genérico que designa indivíduos ladrões que têm o uso de
                           apertar pessoas no pescoço a fim de lhes retirar os bens] Agressor, ladrão. A        
                           acção que também se chama por Kukwipwa na Gorongosa.
Bote                 Corda grande usada para amarrar cabritos, canoas nos rios, fazer armadilhas na
                           caça de animais grandes.
Bumbu                         Pubis.
Cabanga         Bebida fermentada, feita a partir de farelo de milho, mapira, água de milho
                          pilado.
Chamboco       Cacete, castete.
Chibobo          Saudar de um homem local batendo as mãos com as palmas todas estendidas.
Chicala           Leão/ou qualquer animal feroz, no texto significa mulheres de donos, o que cria
                          problemas constantes e pode, um dia, vir a levar à morte.
Chiphuphu      Saudar de uma mulher local batendo as mãos com as palmas cruzadas.
Chisumbari      Falta de pudor, fazer relação sexual com um familiar, falar de sexo diante de um
                         familiar ou menores de idade.
Djongue          Galo.
Gamba                        Espírito mau, espírito de um morto que se pode comprar para fazer mal a
                         pessoa/família com que se tem maldade, servir de guarda de casa e bens, entre
                         outros fins.
Gueru             Cabana do candidato a marido em casa dos futuros sogros.
Hálua              Bebida feita a partir de mapira fermentada sem açúcar, actualmente confundida
                          com Pombe (outra bebida caseira que também não levava açúcar).
Imwe                Você (para cortesia).
Iwe                  Tu (quando se dirige a pessoas familiares, contrário de IMWE).
Paipi                Cigarro local feito a partir de tabaco não processado.
Kuchiza             Controlo periódico do sexo de um donzela para evitar que ela mantenha alguma
                         relação sexual que prejudicaria o pagamento de mabatiro. Este controlo é feito
                         por anciãs da confiança da mãe ou avó da donzela.
Kuumba forya Processo de arrumar o cigarro de folha de papel, etc, com saliva antes de estar
                          pronto para ser fumado.
Mabatiro         Dinheiro que se deve pagar pelo primeiro acto sexual (legal ou ilegal) com uma
                          donzela na Gorongosa.
Machamba      Lavra; terra de agricultura.
Madembes       O lugar onde alguém, local, nasceu e viveu, mas que abandonu-o para um outro.
Madindindi     Dança produzida a partir de um aparelho sonoro, típico das bebedeiras de
                          cabanga na Gorongosa.
Madjulira        1. Casa como um gueru (cubata) construída só para meninas nhamankunda
                          (donzelas)  dormitrem aí.
                          2. Quando um homem adulto vai secretamente violar uma donzela ou menor
                           durante as noites sem ser descoberto pelos pais dela. Tentava de manter relação
                           sexual discreta com menores.
Makombe        Título de rebeldes do Báruè que se opunham a ocupação colonial, sobretudo na
                          região da Gorongosa e Catandica.
Mataku akuru             Não é dinheiro de multa, é a regra local que compensa o tempo que os sekurus
                          gastaram sacrificando seu fim-de-semana, convívio, visita a outras pessoas para     
                          se dedicarem a resolução do problema de alguém.
Matchessa       Tribunal. É um tipo de construção circular, próprio para prover sombra. Senta-
                         se nesta sombra e resolve-se qualquer atrito social quando é em casa de um 
                         chefe.
 Matope           Lama.
Mazio              Provocação do tipo luta livre que pode produzir danos físicos ou não no corpo
                          dos envolvidos.
Mbolo             Pénis
Muçutu/N’çutu            Qualquer sexo. Não é muito insulto quando se dirige a crianças ou amigos.
Mutupo           Tótem
Mwagona?      Como dormiu?
Mwenemutapas           Presidentes do Império
Ndi tsoca Manassa, pana tungarakuri ndi tsoca - É azar Manassa, com a tua idade é azar.
N´fukua           Espírito de um morto que vem vingar-se contra a família de quem o matou
                          quando podia ter outra solução diferente, como pagar, por exemplo.
Nhakwawas     Régulos, na altura equivalentes a governadores provinciais do Império.
Nhamankunda            Donzela, virgem.
Nipa                Bebida destilada.
Ntsanganiko    Cerimónia e complicação relacionada com o não cumprimento da cerimónia
                          funerária correcta.
Pakwana pano            Estou bem aqui.
Pita-kufa         Prática de enterrar os familiares em lugares diferentes do cemitério dos  
                         antepassados
Rukuru                         Doença que só era apanhada por jovens que se metiam sexualmente com  
                          mulheres mais velhas; e morriam dessa doença se não confessassem aos seus  
                         sekurus para rapidamente serem tratados
Sekuru                        Avô
Suruma                       Canabis sativum [Termo generalizado em Moçambique. Não é xisena].
Tamwona Tembo,  Saudação ao mutupo Tembo, cuja resposta pode ser pumani ou ndauwe ou ndalamwe.
Tchacutchenas            Bebidas secas de álcool branco [álcool do tipo dry gin].
Tsoca              Azar.
Uthuwiro / citoe          Gergelim.
Wakulu            Graúdo e responsável, chefe ou superior hierárquico.
Xima/n’cima    Massa de farinha de milho, de mapira, de mexoeira, de mandioca, de maximi, etc.


Régulos e Regulados
(régulos, chefes de povoações/sapandas, fumos)
Marcelino Manuel Sadjunjira            de Nhancuma-Nhauliri  Posto Administrativo de Vunduzi          

Outros Régulos da Zona
Canda,   na bse oeste da Serra da Gorongosa.
Chicare,   desde Púngue passando pela entrada do Parque Nacional da Gorongosa até confinar-
                 se a direita com Nhanguo, na zona de Mbulawa.
Juchenje,   depois de Sadjunjira, indo para Maringue.
Nhanguo, localizado numa pequena porção entre Chicare e Tambarara.
Sacudzo, mais próximo de Bárue, tem a Serra da Gorongosa a leste fazendo parte do Posto
                  Administrativo de Nhamadzi-Canda.
Sadjunjira   na base leste da Serra da Gorongosa
Tambarara, depois de confinar-se com Chicare e Nhanguo a sul, corresponde a toda zona da  
                   vila da Gorongosa até a parte central da Serra, tendo Sdjunjira a leste e Canda a  
                   oeste.

Mutupos

Bande,(não come lobo e cão nem restos deixados por estes animais).
Bonda, (não come leão nem restos deixados por leão).
Makate, (Não come macaco nem restos deixados por macaco).
Malunga, (não come leopardo nem restos deixados por este animal).
Nhangulu, (não parte osso de porco nem bebe água escorrída do tecto de uma casa, localmente  
                    cumuera  ou nhanchururu).
Tembo, não come o passarinho por tembo nem parte osso de zebra (mbizi).
 Matsapi, (não come nenhum pulmão).
… entre outros mutupos

e os Tsamaneas, Tsamaloas, etc, são ramificações do grande mutupo Tembo.  


Bebidas de fabrico caseiro e algumas imagens
 
Fabrico caseiro: de cabanga;                                     nipa

Cabanga (Bebida fermentada, feita a partir de farelo de milho, mapira, água de milho pilado).   
Nipa (Bebida fermentada e destilada).
Hálua (Bebida feita a partir de mapira fermentada sem açúcar).

 Bebidas industrializadas

Tchacutchenas (bebidas secas de álcool branco, do tipo dry gin).


[1] A filiação das sociedades a sul do rio Zambeze é do tipo patrilinear. Nelas, o poder político e doméstico é essencialmente masculino, sendo ditas por isso patriarcais.

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